Correio braziliense, n. 20797 , 01/05/2020. Política, p.3

 

Juíza rejeita o relatório de testes do presidente

Ingrid Soares

01/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Justiça Federal não aceita declaração, enviada pela AGU, atestando que Bolsonaro teve resultado negativo para Covid-19 e dá prazo de 48h para que órgão forneça exames  

A Justiça Federal de São Paulo deu o prazo de 48 horas para que o presidente Jair Bolsonaro mostre os resultados dos testes de coronavírus que fez. Foi fixada ainda uma multa de R$ 5 mil por dia em caso de descumprimento da decisão. Horas antes, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um relatório médico da coordenação de saúde da Presidência, datado de 18 de março, atestando que Bolsonaro está “assintomático” e teve resultado negativo para os exames.

A juíza Ana Lúcia Petri Betto não aceitou o documento enviado pela AGU, justificando que não atende de forma integral ao que foi decretado pela Justiça na segunda-feira. A determinação judicial garantiu ao jornal O Estado de S.Paulo o direito de obter os resultados dos testes da Covid-19 feitos pelo presidente. Após a entrega do relatório, o jornal recorreu à Justiça pedindo uma apuração de descumprimento de ordem judicial.

Na decisão de ontem, a magistrada pediu que “renove-se a intimação da União” para que “em 48 horas, dê efetivo cumprimento quanto ao decidido, fornecendo os laudos de todos os exames aos quais foi submetido o Exmo. Sr. Presidente da República para a detecção da covid-19, sob pena de fixação de multa de R$ 5.000,00 por dia de omissão injustificada”.

O governo havia pedido decreto de sigilo documental do caso, o que também foi negado. A juíza considerou os princípios constitucionais do direito de acesso à informação, princípio da publicidade e liberdade de informação jornalística.

Ontem, Bolsonaro afirmou que se sentirá “violentado” caso tenha de divulgar o resultado dos exames. Ele afirmou que só mostrará caso perca o recurso contra a decisão. “Você sabe que tem uma lei que garante a intimidade. Você sabe que se nós dois estivermos com uma doença grave, nós não somos obrigados a divulgar o laudo. Tem que ser uma lei, e a lei vale para todo mundo. A AGU deve ter recorrido, e se nós perdermos o recurso, aí vai ser apresentado, e vou me sentir violentado”, justificou, minutos antes de embarcar para Porto Alegre, onde participou da solenidade de transmissão de cargo do comandante militar do Sul.

Na terça-feira, Bolsonaro disse defender seu direito de não mostrar os exames. “Infelizmente, eu não tenho aqui o número da lei nem o artigo, mas, desculpa aqui. Se nós dois tivermos com Aids (disse a um jornalista), por exemplo, a lei nos garante o anonimato. Por que para mim tem que ser diferente? Vocês nunca me viram aqui rastejando, com coriza, eu não tive, pô. Eu não minto, eu não minto”, frisou.

Bolsonaro disse, ainda, que utiliza um “nome fantasia” para pedidos de receitas, pois seu nome é “visado” e teme que alguém faça “alguma coisa esquisita” na manipulação dos medicamentos. Ele ainda disse que “não teria problemas” em mostrar os resultados, mas que “quer defender o seu direito de não mostrar”. “Para que eu vou mostrar, ‘olha aqui, eu tô, eu não tô’. Para que isso? Daqui a pouco, quer saber se eu sou virgem ou não. Vou ter de apresentar o exame de virgindade para vocês. Dá positivo ou negativo?”, disse, rindo.

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Bolsoaro: "Talvez eu tenha pegado"

01/05/2020

 

 

Ao mesmo tempo em que trava uma disputa judicial para não divulgar os resultados de seus exames, o presidente Jair Bolsonaro admitiu, ontem, a possibilidade de ter sido infectado pelo novo coronavírus. “Eu, talvez, já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti”, afirmou, em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre.

Bolsonaro fez o exame para o vírus duas vezes, em 12 e 17 de março, após voltar de missão oficial nos Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente Donald Trump. Nas duas ocasiões, o chefe do Executivo informou, via redes sociais, que testou negativo para a doença, mas não exibiu cópia dos resultados. Pelo menos 23 pessoas que acompanharam o comandante do Planalto na visita aos Estados Unidos, incluindo auxiliares próximos, foram diagnosticadas posteriormente com a doença.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto considerou “juridicamente correta” a decisão da Justiça. “O país tem o direito de saber da saúde do seu presidente, até porque se trata de doença transmissível e, ao que se sabe, o presidente não se submeteu a nenhum isolamento físico”, argumentou. “No momento em que vivemos planetariamente, a matéria não se inscreve no âmbito da intimidade, nem mesmo da vida privada do presidente. O próprio presidente antecipou o interesse coletivo no resultado do exame a que se submeteu ao tornar pública a realização desse mesmo exame.”

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, é “injustificável” Bolsonaro ainda não ter divulgado os exames. “Em especial em uma situação de epidemia, torna-se relevante que o presidente seja transparente e divulgue o resultado oficial do seu exame, a exemplo do que fizeram vários líderes de países democráticos.”

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Interferência por igrejas gera apreensão

Luiz Calcagno

01/05/2020

 

 

A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir na Receita Federal para beneficiar igrejas evangélicas causou desconforto entre auditores federais. O chefe do Executivo encontrou-se, a portas fechadas, com o secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto, e com o deputado David Soares (DEM-SP) para tratar do tema. A reunião foi vista como uma forma de pressionar o órgão para conseguir benesses às organizações religiosas. Existem investigações contra igrejas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por inadimplência e sonegação.

Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) afirmou que as “tentativas de interferência do presidente da República na Receita Federal para viabilizar o perdão de dívidas tributárias de denominações religiosas causam apreensão e preocupação não apenas nos auditores-fiscais, mas entre todos os que zelam pelo respeito às leis e pela higidez do sistema tributário brasileiro”.

“Os templos religiosos gozam de justa proteção constitucional, especialmente de imunidade tributária, nos estritos limites das finalidades para as quais existem. No entanto, quando tais atividades são usadas para encobrir propósitos lucrativos, assumindo cunho indubitavelmente empresarial, com distribuição de lucros e pagamento de comissões por resultados, o caráter religioso fica desfigurado, e os auditores-fiscais devem cumprir o seu dever de lançar o tributo, regra que, de resto, vale para quaisquer contribuintes e atividades empresariais (...)”, afirmou o texto.

Uma das infrações é a igreja deixar de declarar, por exemplo, o pagamento de funcionários sob o argumento de que são voluntários, obreiros ou missionários, mas investigações apontam que essas pessoas têm hora de chegar e de sair. Elas desempenham funções profissionais e recebem por elas. Líderes religiosos também foram pegos utilizando renda isenta de tributos para distribuir participação nos lucros das igrejas, por exemplo. Pastores contratam uma prestadora de serviços de um membro da congregação ou parente, a preços abusivos, para redistribuir o dinheiro depois, segundo as apurações. Bolsonaro é próximo dessa parcela da população e tem parte do eleitorado cativo entre os evangélicos.

A reportagem procurou líderes religiosos, mas ninguém quis comentar o assunto. Ao Estadão, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) confirmou que o chefe do Executivo pediu uma “análise” das dívidas das igrejas, mas “dentro da lei”.

Frase

“Tentativas de interferência do presidente da República na Receita Federal para viabilizar o perdão de dívidas tributárias de denominações religiosas causam apreensão e preocupação”

Trecho da nota do Sindifisco