Título: Rotina de insegurança
Autor: Temóteo, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2012, Economia, p. 8
As péssimas condições da BR-040 matam uma pessoa por dia, em média. Famílias que vivem às margens da rodovia pedem socorro
Sentado em um banco de madeira, improvisado embaixo de uma árvore às margens da BR-040, o agricultor aposentado Jaques Luiz de Paiva, 69 anos, acompanha o vai e vem de carros e caminhões que passam pelo vilarejo Olaria, situado no município de João Pinheiro (MG). Morador da região há 18 anos, Paiva deixou o campo para que os cinco filhos pudessem estudar, apesar de apenas um deles ter concluído o ensino médio.
Do assento, que faz as vezes de parada de ônibus e local de prosa para os moradores, ele fala que perdeu as contas de quantas pessoas morreram atropeladas enquanto tentavam atravessar a rodovia que corta o povoado. As tragédias só diminuíram quando a população do lugarejo invadiu a pista para protestar, ateou fogo em pneus e interrompeu o tráfego, exigindo mais segurança.
“Parei de contar (o número de mortos) no vigésimo terceiro. Conhecia muitos dos que morreram e fui ao enterro de todos. Os carros passavam em alta velocidade e a prefeitura só construiu os quebra-molas depois que invadimos a rodovia”, recorda. Atento ao noticiário que acompanha pelo rádio e pela televisão religiosamente toda manhã, Paiva aguarda, com ansiedade, as obras de duplicação dos 936,7 quilômetros da BR-040, que serão concedidos à iniciativa privada em leilão previsto para janeiro de 2013.
Voz mansa, mas atento a tudo o que envolve a estrada que liga o Distrito Federal ao Rio de Janeiro, é enfático: “Pagar pedágio para ter uma pista segura e sem buracos não é mal negócio. Mas o preço tem que ser justo”. No ano passado, a Polícia Rodoviária Federal registrou 6.866 acidentes e 274 mortes na estrada. Uma média de 22 óbitos por mês, quase um por dia. De janeiro a setembro de 2012, foram contabilizadas 4.684 ocorrências e 212 óbitos — média de 23 a cada trinta dias.
Na porta de casa
Conforme o professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques, a qualidade das rodovias já privatizadas no país, aliada a estrutura administrada pelas concessionárias para prestar socorro e suporte aos usuários, reduziu o número de mortes e acidentes nesses trechos. “Por isso, temos visto uma redução, ainda que em ritmo lento, nos índices de acidentes divulgados pelo governo”, destaca.
Enquanto a BR-040 não é duplicada, o risco de morar às margens da rodovia tira o sono do pedreiro Ezequiel Rabelo de Souza, 27 anos. Morador de Paracatu (MG), construiu uma casa localizada no Km 37 da rodovia, no ponto mais baixo de um barranco próximo à pista. Nos últimos três anos, ele se recorda de pelo menos 30 acidentes perto de casa. No mais grave, um carro despencou da ribanceira e só não entrou na residência porque bateu em uma árvore.
“Depois desse dia, plantei alguns eucaliptos no barranco, mas eles ainda estão pequenos. Tenho mais medo de que aconteça alguma coisa com meus filhos”, afirma. O pai proíbe que Henrique, 7 anos, e Matheus, 2, brinquem fora de casa. Só podem sair acompanhados, mas, mesmo assim, a vigilância é constante. “Espero que a concessão da estrada à iniciativa privada melhore a segurança da nossa região, porque, nas mãos do governo, a via é sempre uma ameaça, tamanho é o descaso com ela”, completa.
Casas situadas às margens da rodovia poderão ser desapropriadas pela concessionária, explica a diretora da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) Natália Marcassa. Ela avisa que a concessionária será responsável por conduzir esse processo, uma vez que a verba para tal finalidade está prevista no plano de outorga. Entretanto, Natália ressalta que o poder público participará dos trabalhos de remoção. “As prefeituras, o governo federal e a concessionária trabalharão juntas para acomodar e indenizar essas famílias”, detalha.
Nem os 32 anos de experiência na cabine de um caminhão livraram o motorista Demerval Coelho de Souza, 52, de um acidente. O caminhoneiro seguia viagem de Belém (PA) para Belo Horizonte (MG), carregado com 140 motos, quando, em uma subida no km 146 da BR-040, ainda em Goiás, o veículo tombou. Souza justifica que a inclinação e as ondulações da pista, mais a chuva que diminuiu a aderência entre os pneus e o asfalto, derrubaram o baú de 25 metros de comprimento.
Política e corrupção
Apesar do susto, ele teve apenas escoriações nos braços. A carga não foi danifica e, como o caminhão tem seguro, o prejuízo foi reduzido. Mesmo assim, Demerval precisou passar a noite no local. Dormiu na rede amarrada entre a árvore e a cerca de uma fazenda. Esperou outro veículo para transportar a carga e um guincho para levantar a carreta. “Os caminhões andam com excesso de peso, e o asfalto, de péssima qualidade, é danificado em menos tempo. Já viajei pelo Paraguai e pela Argentina, onde as pistas são bem melhores. Espero que, com a privatização, isso mude”, ressalta. Dickran Berberian, patologista de edificações e professor de engenharia civil da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a baixa qualidade do asfalto das rodovias brasileiras está ligada a deficiências técnicas e políticas. Ele relembra que, nos últimos 20 anos, têm sido comuns os escândalos em que empreiteiras e governos são acusados de superfaturar obras para desviar recursos. Para Berberian, a falta de balanças de pesar os caminhões e a baixa qualidade dos materiais usados nas rodovias são outros problemas. “O resultado disso é um asfalto péssimo. Os desenhos das rodovias também são ruins. A concessão pode corrigir essas falhas”, diz.
Polícia vê melhora
Além da expectativa em relação ao aumento da segurança por parte de quem mora às margens ou trafega pelos 936 quilômetros da BR-040 que serão privatizados, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) avalia que a concessão à iniciativa privada será positiva. O coordenador-geral de operações da PRF, inspetor José Roberto Ângelo, espera que, com esse processo, melhorem o sistema de sinalização e a qualidade das pistas e dos serviços prestados à população.
Conforme Ângelo, é responsabilidade dos policiais atuar em acidentes nas rodovias federais, controlar o tráfego quando há veículos batidos nas pistas e oferecer o resgate às vítimas por meio de convênios firmados com o Samu e os Bombeiros. “Temos trechos problemáticos, mas, com a duplicação da BR-040, esse quadro tende a mudar. Mas não é só. A futura concessionária passará a oferecer serviço médico e será responsável por tirar carros e caminhões da pista quando ocorrerem colisões”, exemplifica.
O coordenador da PRF ressalta que essa mudança contribui para que outras operações sejam feitas a fima de monitorar as rodovias. “Não queremos policiais fixos em postos e, sim, em rondas. Vamos investir cada vez mais em unidades que ofereçam apoio ao cidadão”, destaca. Com os benefícios decorrentes da privatização de rodovias, a Polícia Rodoviária, que possui um efetivo de 10 mil servidores, projeta chegar em 2014 com as 13.098 vagas previstas em lei preenchidas para melhorar o trabalho. (AT)