Título: É preciso insistir
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2012, Ciência, p. 16

Começa hoje, no Catar, mais uma conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Além de acertar o funcionamento da segunda fase do Protocolo de Kyoto, o encontro tem a missão de não deixar as negociações de um acordo contra o aquecimento global pararem

O Catar é o maior emissor de CO2 per capita do mundo. Todo ano, cada um de seus habitantes emite, em média, 49,1t do gás, quantia 23 vezes maior que a dos brasileiros. É justamente para o próspero (e poluidor) país do Oriente Médio que os olhos de ambientalistas e pesquisadores do clima estão voltados. A capital, Doha, sedia, de hoje até o próximo dia 7, a 18ª Conferência Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP18). No encontro, negociadores de centenas de países tentarão, mais uma vez, fechar um acordo global sobre a redução de gases causadores do efeito estufa.

A COP chega à sua 18ª edição carregada de ceticismo. Os fracassos das edições anteriores fizeram com que negociadores, ambientalistas e especialistas em geral percebessem que escrever um documento vinculante, ou seja, que obrigue os países a cumprirem metas de redução da emissão dos poluentes e remunerem as áreas degradadas, é bem mais difícil do que se imaginava. Iniciadas em 1992, durante a Eco 92, no Rio de Janeiro, as discussões produziram resultados a conta-gotas (leia quadro).

O desafio da vez é estabelecer o funcionamento da segunda fase do Protocolo de Kyoto, único instrumento obrigatório que compromete os países industrializados a poluírem menos. Previsto para terminar este ano, o documento teve sua extensão acordada na conferência de 2011, na África do Sul. Os detalhes que como isso será feito ficou para Doha. O problema é que os Estados Unidos, maiores poluidores do mundo em termos absolutos, nunca ratificaram o protocolo. Para piorar, Canadá, Japão e Rússia se recusam a aceitar a fase 2, que durará de 2013 a 2017. Dos países desenvolvidos, apenas Austrália e a União Europeia devem aderir.

Por esses motivos, muitos veem a continuidade do documento como uma medida mais simbólica do que realmente eficaz. "O acordo é um instrumento que não vai mudar grandes coisas no mundo real", disse um negociador europeu à agência France-Presse. Isso não significa que garantir a segunda fase de Kyoto não seja importante. "Sua extensão é importante para combater as dinâmicas de desconfianças dos países do sul ante os do norte", completou a fonte da France-Presse. A diretora para o Clima da ONU, Christiana Figueres, vê a medida como essencial para "oferecer uma resposta mais rápida às mudanças climáticas". "Em Doha, temos de garantir que vamos passar para o próximo nível", afirmou.

Se não deve garantir grandes transformações no cenário ambiental atual, a convenção do Catar tem como missão pavimentar o caminho para um acordo mais amplo que entre em vigor a partir de 2020. "Do ponto de vista externo, a COP18 não deve resultar em muitos avanços, mas terá sua importância para fazer andar a discussão em torno das metas que serão adotadas no novo acordo, que será discutido em 2015", avalia Bernardo Strassburg, do Instituto Internacional de Sustentabilidade (IIS). "Não diria que já serão discutidos detalhes. A questão ainda está mais basilar, tratando de questões amplas, metas gerais", completa o pesquisador brasileiro.

Alertas

Enquanto as discussões caminham lentamente, os alertas sobre os danos que o aquecimento global deve causar se multiplicaram nos últimos dias. O Banco Mundial advertiu para o risco de um aumento de 4ºC na temperatura média do planeta até 2060, o que deverá levar uma "cascata de tragédias" aos países pobres. Segundo cientistas, para evitar que o sistema climático dispare, acelerando o aquecimento vertiginosamente, o aumento não pode ser maior do que2ºC. Mesmo assim, na semana passada, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou que a concentração na atmosfera de gases causadores do efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) atingiu seu recorde em 2011.

Para os ambientalistas, a atenção da população sobre o tema continua sendo uma arma importante para forçar os governos do mundo a seguirem em busca de um acordo satisfatório. "Essa é uma questão que, embora urgente, vem se arrastando há quase 20 anos. Então, a pressão para um acordo vem aumentando, e este ano não será diferente. A população exige cada vez mais uma resposta", afirma Strassburg.

Volta ao mundo por um acordo

Veja as principais expectativas e os resultados alcançados nas recentes conferências sobre mudanças climáticas

COP13

» Bali (Indonésia), 2007 Expectativas: Alcançar um consenso sobre a necessidade de adotar medidas urgentes e universais para a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas. Resultados: Apesar de algumas nações, entre elas os Estados Unidos, permanecerem com certo ceticismo em relação ao tema, o Bali Action Plan determinou que um novo acordo seria firmado em 2009.

COP14

» Poznán (Polônia), 2008 Expectativas: Aprofundar cinco pontos propostos pelo Bali Action Plan para facilitar o consenso na conferência do ano seguinte. Esses pontos incluíam a transferência de tecnologias menos poluentes para países em desenvolvimento e a diminuição das emissões de carbono. Resultados: A expectativa por um posicionamento do então recém-eleito presidente dos EUA, Barack Obama, travou um avanço mais rápido nas negociações. Das cinco metas, houve consenso em apenas uma: a formação de um fundo internacional para ajudar países pobres a lidar com as mudanças no clima.

COP15

» Copenhague (Dinamarca), 2009 Expectativas: Como previa o plano elaborado na Indonésia, seria na conferência dinamarquesa que o novo protocolo que substituiria o de Kyoto seria assinado. Por essa razão, 133 chefes de governo e Estado compareceram ao evento, o maior número em uma conferência ambiental desde a Rio 92, no Brasil. Resultados: O que era para ser um momento histórico na mudança das políticas ambientais em todo o mundo foi considerado por muitos um fiasco. Um acordo mais simples foi assinado nos instantes finais da conferência, mas sem efeitos vinculantes, ou seja, sem a obrigatoriedade de cumprimento pelas nações.

COP16

» Cancún (México), 2010 Expectativas: Com o fracasso da conferência anterior, as esperanças para a reunião do México se tornaram pequenas. O objetivo da maioria dos negociadores se transformou em solucionar uma série de questões que impediam as negociações de um acordo mais amplo. Resultados: De certa forma, esse objetivo foi alcançado. O número de países que aceitaram assumir metas de redução da emissão aumentou, e o os financiamentos cresceram. No entanto, o grupo liderado pelos EUA permaneceu irredutível quanto à adoção de metas de redução da poluição.

COP-17

» Durban (África do Sul), 2011 Expectativas: Se por um lado a conferência do México conseguiu avançar, criando a expectativa por mais avanços, por outro o balde de água fria da COP15 ainda deixava os negociadores céticos. O principal objetivo era finalmente fechar um acordo que substituísse o Protocolo de Kyoto. Resultados: Por um lado, foi um sucesso, já que ficaram garantidas a segunda fase do Protocolo de Kyoto, entre 2013 e 2017, e a discussão sobre um novo acordo global de redução de emissões para vigorar após 2020. Porém, não foi estipulado como ficará a questão entre 2017 e 2020. Além disso, Rússia, Canadá e Japão se juntaram aos EUA e se recusaram a aceitar a fase 2 do protocolo.

Precisamos oferecer uma resposta mais rápida às mudanças climáticas. Em Doha, temos de garantir que vamos passar para o próximo nível"

Christiana Figueres, diretora para o Clima da ONU