Valor econômico, v.20, n.4974, 03/04/2020. Política, p. A7

 

Bolsonaro ataca Mandetta e governadores

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

03/04/2020

 

 

Depois de ensaiar uma moderação no discurso, o presidente Jair Bolsonaro voltou ontem à sua postura de ceticismo em relação às medidas de combate ao coronavírus. Desta vez, no entanto, foi além das críticas aos governadores e às medidas restritivas: partiu para o ataque contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujo protagonismo vem incomodando o presidente.

"Tá faltando um pouco mais de humildade pro Mandetta", disse o presidente. "O Mandetta em alguns momentos teria que ouvir um pouco mais o presidente da República."

Mandetta e Bolsonaro vêm se estranhando desde o início da crise. O ministro vem diariamente alertando para a importância do isolamento e o distanciamento social como forma de conter o alastramento do vírus. A maior preocupação é o colapso do sistema de saúde, o que segundo Mandetta ocorrerá caso muitas pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo.

Bolsonaro, por sua vez, vem defendendo o chamado "isolamento vertical" - de pessoas idosas e com comorbidades, mais vulneráveis.

O presidente ainda fez um aceno ousado ao público mais religioso, e pediu um dia de jejum e oração para combater a pandemia. "Paz, tranquilidade. Para quem tem fé, papai do céu está conosco. Acredito em Deus. De acordo com a decisão aqui de evangélicos e católicos, eles têm pedido para mim para que a gente possa marcar um dia de um jejum de todo o povo brasileiro para a gente ficar livre deste mal [coronavírus] o mais rápido possível", afirmou.

À noite, na entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse de forma explícita que há desentendimentos com o ministro. Mas negou que tenha a intenção de demiti-lo durante a crise.

"Olha, o Mandetta já sabe que a gente tá se bicando há algum tempo, já sabe disso. Eu não pretendo demiti-lo no meio da guerra, não pretendo, agora", disse. Ele é uma pessoa que, em algum momento, ele extrapolou, ele sabe que tem uma hierarquia entre nós, eu sempre respeitei todos os ministros, o Mandetta também."

Bolsonaro falou também que estuda editar uma medida provisória que, na prática, obrigaria o fim do isolamento social, determinando o retorno da população à rotina. Segundo ele, o retorno ao comércio poderia ser determinado a partir de uma "canetada" sua.

"Tem medida provisória pronta para assinar que torna indispensável toda atividade para trabalhador levar 'o pão para casa'. Se for necessário, vou assinar MP, mas tem ameaças para cima de mim, inclusive do meu afastamento", disse. "Enquanto STF ou Congresso não derrubarem meu [eventual] decreto, o comércio estaria aberto".

O presidente disse que tem "gente poderosa" esperando um tropeço, por isso espera mais apoio do povo antes de tomar qualquer medida contra o isolamento. A iniciativa poderá ser adotada caso o comércio não reabra, de forma paulatina, na segunda-feira, disse o presidente.

Ao longo do dia, Bolsonaro também criticou governadores, que vêm adotando medidas restritivas. A apoiadores no Alvorada, criticou mandatários de ao menos cinco Estados: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e, mais enfaticamente, Santa Catarina e São Paulo.

"Eu fui a Ceilândia e Taguatinga no fim de semana passado e fui massacrado pela mídia. Duvido que um governador desses, Doria [João, de SP], Moisés [Carlos, de SC], vá no meio do povo. Vai nada. Tá com medinho de pegar vírus?", afirmou. Na entrevista à Jovem Pan, afirmou que a todo momento tentam tomar sua cadeira. E disse que os gestores estaduais e municipais terão de assumir responsabilidade de destruir empregos com as medidas de isolamento.