Correio braziliense, n. 20799 , 03/05/2020. Política, p.4

 

Moro acusa Bolsonaro e entrega supostas provas

Renato Souza

03/05/2020

 

 

PODER » Ex-ministro depõe por 8h30 na PF, em inquérito para apurar as denúncias dele contra presidente. Advogado do ex-juiz defendeu Cunha e Odebrecht na Lava-Jato

O depoimento do ex-ministro da Justiça Sergio Moro na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, durou 8h30. De acordo com uma fonte na corporação, ele detalhou as acusações — que fez no pronunciamento ao entregar o cargo — de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. O ex-juiz levou novas conversas de aplicativo e outros arquivos digitais que serão periciados pela PF. São mensagens de WhatsApp, áudios e e-mails, inclusive trocados com outros integrantes do governo, além do presidente.

Moro respondeu a perguntas de dois delegados da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e de três procuradores que saíram de Brasília e foram até o Paraná para participar da oitiva.

O ex-juiz chegou ao prédio da PF em uma viatura da instituição e teve acesso ao edifício por meio de uma entrada privativa, nos fundos. O depoimento se estendeu tanto que um intervalo precisou ser realizado no fim da tarde. À noite, ocorreu mais uma pausa para o lanche.

Na sala, Moro e os demais integrantes estavam afastados por uma distância de um metro cada, e todos de máscara, para evitar a disseminação do novo coronavírus. O procurador-geral da República, Augusto Aras, destacou para o depoimento os procuradores João Paulo Lordelo Guimarães Tavares, Antonio Morimoto e Hebert Reis Mesquita, que atuam no gabinete dele na capital federal.

Apoiadores de Moro e de Bolsonaro se enfrentaram em frente ao prédio da corporação. Nos momentos mais hostis, a Polícia Militar precisou intervir. Um manifestante, que estava do lado favorável ao presidente, chegou a tentar agredir jornalistas, sendo contido pela polícia. Os atos a favor de Bolsonaro foram convocados pela internet, e o de apoio ao ex-juiz partiu de integrantes de um acampamento pró-Lava-Jato que já se concentrava no local.

O depoimento vai ser encaminhado ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito que apura as denúncias feitas por Moro contra Bolsonaro. O conteúdo pode ser mantido sob sigilo, se a PF entender necessário para preservar a investigação. Nos próximos dias, Mello deve determinar o cumprimento de diligências para recolher provas e informações, com o objetivo de averiguar as denúncias.

No governo, o clima foi de apreensão ao longo de todo o dia. Bolsonaro tentou demonstrar que não estava preocupado com assunto. No entanto, conversou com aliados e com os filhos para avaliar eventuais impactos das revelações. Interlocutores do Planalto informaram que o maior temor é de que, ao longo dos últimos meses, Moro tenha registrado diversas conversas com o presidente, não só por mensagens de texto, mas também em áudios e vídeos.

A deputada Bia Kicis (PSL-DF) afirmou que entrou em contato com o chefe do Executivo à noite e recebeu dele a informação de que estava enfrentando a situação com tranquilidade. “Acabei de falar com o presidente Jair Bolsonaro. Ele está tranquilo. Sabe que nem em 15 meses de conversa gravada, nem que fossem 15 anos, Sergio Moro teria alguma coisa contra ele. Talvez uns palavrões, quem sabe, mas acho que isso não é crime, a não ser que o STF resolva criar um”, ironizou.

Advogado

Para atuar em sua defesa, Moro contratou Rodrigo Sánchez Rios e outros três advogados. Conhecido criminalista de Curitiba, Sánchez é secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná. Ele atuou em casos da Lava-Jato em que o próprio ex-ministro da Justiça era o juiz da causa. Entre o rol de clientes do defensor no âmbito da operação está o ex-deputado Eduardo Cunha, que foi presidente da Câmara.

Sánchez também esteve à frente da defesa do empresário Marcelo Odebrecht, uma das figuras mais marcantes do caso Lava-Jato. O ex-presidente da empreiteira que leva seu sobrenome esteve profundamente envolvido no esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Frase

“Os mandantes estão em Brasília? O Judas, que hoje (ontem) deporá, interferiu para que não se investigasse?”

Jair Bolsonaro, em tuíte contra Moro, insinuando que ele o teria traído, sem levar adiante as investigações sobre a facada dada no presidente por Adélio Bispo

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Visita causa aglomeração em Goiás

Thays Martins

03/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a contrariar as recomendações de autoridades sanitárias para evitar a disseminação do novo coronavírus. Ontem, o chefe do Executivo resolveu visitar comércios, como tem feito em alguns fins de semana. Nessas ocasiões, tem sido comum a aglomeração de apoiadores dele.

Desta vez, não foi diferente. Bolsonaro usou um helicóptero para ir a um posto de gasolina em Cristalina (GO), onde tomou café e comeu pastel, acompanhado de representantes da prefeitura da cidade. Ele também visitou a 3ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cristalina e o Outlet, em Alexânia, que estava com as lojas abertas. Mais uma vez, houve aglomerações.

Bolsonaro estava de máscara, porém, a todo momento a removia para tirar fotos e falar com apoiadores. O chefe do Executivo, inclusive, posou para selfies com pessoas que não usavam o item de segurança. Ele aproveitou para criticar o isolamento e dizer que 80% das pessoas vão se infectar, mas também recomendou que as pessoas se protegessem. “Vamos tomar cuidado e usar máscara”, disse. As visitas às cidades goianas não estavam na agenda oficial do presidente.

Goiás começou a flexibilizar a quarentena no fim de março. No último dia 20, o governador Ronaldo Caiado (DEM) decretou a retomada de alguns setores e deu autonomia às prefeituras para decidirem sobre como funcionaria o comércio. Porém, na quinta-feira, o gestor usou as redes sociais para criticar quem não estava cumprindo as medidas de segurança. “As pessoas estão achando que o pior já passou, mas o isolamento precisa continuar”, frisou. O estado aparece em sétimo lugar no país com mais pessoas respeitando o isolamento, com um total de 43,5%.

Passeios

Desrespeito às regras de isolamento social tem sido prática comum de Bolsonaro desde o início da pandemia. O presidente insiste que o comércio deve voltar a funcionar. Em 10 de abril, feriado de Sexta-feira Santa, ele foi a uma drogaria em Brasília. Na ocasião, disse: “Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”. No dia anterior, já tinha ido a uma padaria da Asa Norte. Há pouco mais de um mês, em 29 de março, esteve em cidades do DF, onde visitou lojas que estavam funcionando. Os vídeos no Twitter com os passeios foram postados pelo próprio presidente, mostrando pessoas aglomeradas para vê-lo. Dois dos vídeos foram apagados pela rede social, que informou que as postagens feriam as regras de uso da plataforma.