Título: Depois da tragédia, o medo
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2012, Mundo, p. 12

Ameaça por telefone força o esvaziamento de uma das principais igrejas de Newtown, no momento em que os familiares dos 26 mortos se reuniam para uma missa. Moradores relatam o clima de luto e de perplexidade, mas destacam a união da comunidade

“A cidade de Newtown nunca mais será a mesma. Você pode sentir a presença da tristeza”, desabafou o estudante salvadorenho Rodrigo Montalvo, que mora no local desde2008. Desde sexta-feira, o estudante de 15 anos tem se imbuído de uma missão complicada e angustiante: consolar a amiga e colega Brittany Kowalsi, de 14 anos, que perdeu o irmão Chase, de apenas 7 anos. “Brittany está muito triste e tenho tentado fazê-la se sentir melhor”, contou o rapaz ao Correio, por telefone.

A apenas duas quadras da Escola Primária Sandy Hook, Rodrigo disse que, na manhã do massacre, estava na sala de aula, em outra instituição, quando os funcionários decidiram trancar todos os alunos. “Ninguém podia entrar ou sair, e tivemos que permanecer calados, durante meia hora. Vários helicópteros sobrevoaram o local. Ele disse ter ficado impressionado com a união da comunidade para enfrentar o trauma. “Os moradores estão colocando cartazes do lado de fora de suas casas, nos encorajando a sentirmos melhores. Todos procuram se ajudar, e isso é realmente bom”, comentou Rodrigo, antes de partir para uma igreja.

O domingo na antes pacata cidade de 27 mil habitantes foi de medo, luto e orações. Milhares de pessoas depositaram flores, ursinhos de pelúcia e cartas em memoriais erguidos perto da Escola Primária Sandy Hook. As ruas ficaram apinhadas de carros de emissoras de tevê. No momento em que centenas de fiéis lotavam a igreja católica de Saint Rose of Lima, a polícia esvaziou o prédio e criou um cordão de isolamento, depois de ter recebido “ameaças”. A força de ação rápida SWAT invadiu o templo, enquanto os sinos tocavam repetidamente. “Não há qualquer perigo para a igreja. Um telefonema preocupou a polícia, o suficiente para deflagrar a evacuação do local e uma verificação”, explicou Brian Wallace, porta-voz da diocese. A missa da noite acabou cancelada, mas tudo não passou de alarme falso. A igreja de Saint Rose of Lima fica a apenas 1,6km do cenário do segundo pior massacre dahistória do país.

Tristeza “A situação por aqui é muito triste. A cidade inteira está deprimida. Pessoas caminham sem esboçar qualquer sorriso. Para completar, houve essa ameaça de bomba na igreja onde familiares das crianças mortas se reuniam”, disse ao Correio, pela internet, Joey Paliotti, 40 anos. De acordo com ele, a impressão era de que toda a população tem procurado paz nos templos religiosos. “As autoridades montaram um esquema de vigília para os moradores, a fim de consolar os familiares dos mortos”, acrescentou.

A estudante Cory Mangold, 12 anos, relatou à reportagem que todos estão muito abalados. “É uma experiência que jamais tivemos, é algo muito estranho”, afirmou, por telefone. “Newtown era uma cidade muito legal, uma comunidade muito unida. Quando algo ocorre, as pessoas caminham por até duas horas e meia para saber o que está acontecendo com o próximo. Nós gostamos de estar juntos.”

A primeira missa do dia, exatamente na igreja esvaziada, ocorreu às 7h30 (10h30 em Brasília). A celebração foi fechada à imprensa, por decisão dos próprios fiéis. “A situação é extremamente tensa, por isto não queremos jornalistas ou câmeras por aqui”, declarou Wallace. Um morador de Newtown subiu ao altar e reiterou o pedido de privacidade aos pais das crianças executadas na Escola Primária Sandy Hook. “Apreciamos seu respeito, agora e no futuro, pelas famílias”, afirmou Ray Gallagher, que lutava para conter as lágrimas. Os primeiros funerais deverão ser marcados nos próximos dias.