Título: Mea-culpa de Obama
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2012, Mundo, p. 12

Presidente viaja até Newtown, se reúne em privado com familiares das vítimas e participa de celebração ecumênica. Prefeito de Nova York e senadora exigem rígido controle das armas. Polícia confirma Adam Lanza como o atirador e divulga mais detalhes sobre a matança

Sob forte coação política dentro do próprio partido, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, desembarcou, às 17h15 (20h15 em Brasília) de ontem em Newtown (Connecticut), para prestar condolências aos familiares das vítimas do segundo pior massacre da história dos Estados Unidos. Depois de reunir a portas fechadas, por cerca de 1 hora, com os pais das 20 crianças assassinadas na Escola Primária Sandy Hook, com socorristas e com policiais, ele participou de uma cerimônia ecumênica em memória dos mortos, no auditório da Newtown High School e fez um mea-culpa.

“A missão mais importante é cuidar de nossas crianças. Isso é como a sociedade será julgada. Como nação, cumpriremos com nossa obrigação, mas não estamos fazendo o bastante e temos que mudar”, declarou Obama. Ele prometeu que, nas próximas semanas, trabalhará com a Justiça para impedir mais matanças. “Não podemos tolerar mais isso. Essa tragédia tem que acabar”, disse, sem conter o choro. No entanto, Obama lembrou que nenhuma lei pode eliminar o mal.

Minutos antes do memorial — que contou com um pastor, um padre e um rabino —, os primeiros policiais que chegaram à cena do crime foram aplaudidos de pé. Muitos deles choraram. Na última sexta-feira, horas depois da matança, Obama fez uma declaração emocionada e, ao limpar as lágrimas, prometeu tomar uma medida para evitar mais tragédias. “Como país, já passamos demais por coisas assim”, declarou, na ocasião.

O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, foi incisivo ontem, ao cobrar uma posição de Obama sobre o tema. “É hora de o presidente se levantar e liderar. Isso deveria ser o seu número 1 na agenda. Ele é o presidente dos Estados Unidos. E se nada fizer durante seu segundo mandato, algo como 48 mil americanos serão mortos com armas ilegais no próximo ano”, advertiu. Ex-republicano que tornou-se independente, Bloomberg disse à rede de tevê NBC que o líder democrata “tem que traduzir suas visões em ações”. A senadora democrata Dianne Feinstein prometeu apresentar um projeto de lei, assim que o novo Congresso tomar posse em janeiro, para proibir as armas de assalto. Para que ele avance em um Capitólio dividido, será preciso que as lideranças dos dois partidos — tanto na Câmara dos Representantes quanto no Senado — avalizem o texto. Uma proibição federal para as armas de assalto expirou em 2004 e, desde então, as tentativas de reinstaurar a lei fracassaram.

Em entrevista ao Correio, por e-mail, Dewey Cornell — professor de psicologia escolar e clínica da Universidade da Virgínia e diretor do Projeto de Violência Juvenil — mostrou-se cético em relação a uma mudança na legislação. “Há um forte lobby contra qualquer regulação de armas nos Estados Unidos. Os pedidos de mudança que Obama fizer encontrarão resistência no Congresso”, admitiu. Ele acha contraditório o fato de todos os passageiros de aviões serem obrigados a tirar os sapatos nos aeroportos, enquanto fuzis de assalto estão disponíveis para qualquer um nas lojas. Cornell considerou significativa a visita do presidente a Newtown, mas disse esperar uma pressão maior. “Precisamos mais do que controle ao acesso de armas, de qualquer modo. Necessitamos de serviços de saúde mental mais eficientes e acessíveis.”

Detalhes A polícia de Newtown e o FBI divulgaram ontem novas informações sobre o crime. As autoridades confirmaram Adam Lanza como o assassino. O rapaz de 20 anos carregava um fuzil de assalto Bushmaster calibre .223 e centenas de balas quando entrou atirando na Escola Primária Sandy Hook, às 9h30 (12h30 em Brasília). Também levava consigo duas pistolas — uma Sig Sauer 9mm e uma Glock 10mm —, mas apenas uma teria sido usada para disparar contra a própria cabeça.

Todos os 20 alunos, a diretora e os cinco funcionários foram mortos com o fuzil. Outra arma do mesmo tipo foi encontrada no porta-malas do carro. Com Adam, havia vários pentes capazes de armazenar 30 balas, cada. O tenente J. Paul Vance, porta-voz da polícia, também confirmou que o atirador executou a mãe com vários tiros no rosto, antes de partir para a matança na escola. Os agentes analisam pistas coletadas na escola e na casa, incluindo armas de fogo. “Nós estamos traçando a história delas, desde a montagem”, declarou.

Nancy Lanza, 52 anos A mãe do atirador Adam Lanza foi a primeira a morrer com um tiro de fuzil no rosto, dentro de sua casa. Segundo familiares e conhecidos, ela era uma entusiasta colecionadora de armas, que levava os filhos para praticar tiro ao alvo. Em 2008, pôs fim a um casamento de 17 anos com os pais de Adam, um executivo da General Electric.

Dawn Hocksprung (47) Diretora da Escola Primária Sandy Hook, foi morta quando se colocou entre Adam e as crianças. Casada, tinha duas filhas. Amava seus estudantes e costumava postar mensagens frequentes no microblog Twitter sobre a rotina na instituição. Chegou a vestir-se de fada, para um livro de contos da escola, a fim de incentivar a leitura entre os alunos.

Mary Sherlach (56) Desde 1994, era psicóloga na escola. Participava de uma reunião com Dawn, quando os tiros começaram, na manhã de sexta-feira. Ambas correram em direção ao assassino. Mãe de duas jovens — uma das quais é professora em um colégio de Nova Jersey. Também apaixonada pelo trabalho, adorava teatro, jardinagem e literatura.

Victoria Soto (27) Morreu para salvar seus alunos. Escondeu alguns de seus estudantes dentro de um armário e enfrentou o atirador cara a cara. Quando se viu acuada pelo assassino, colocou seu próprio corpo na linha de tiro. Descendente de porto-riquenhos, vivia com os pais, as irmãs e o irmão em Stratford. Solteira, passava boa parte do tempo na igreja.

Anne Marie Murphy (52) Professora de educação especial, cresceu em Nova York e era considerada boa mãe, mulher e filha. Na manhã de sexta-feira, os pais, Hugh e Alice McGowan, receberam a notícia de que ela tinha morrido como uma heroína. Seu corpo foi encontrado sobre o de vários estudantes — durante o tiroteio, ela teria tentado protegê-los.

Lauren Russeau (30) Também professora de educação especial, passou a ocupar o posto permanente em outubro. De acordo com a mãe, Teresa, ela estava tendo o melhor ano de sua vida. Cresceu em Danbury, a 19km de Newtown. Depois de trabalhar em escolas da cidade, matriculou-se na Universidade de Connecticut, onde completou o mestrado.

Grace McDonnell (7) Na noite anterior ao massacre, a pequena garota ruiva e de olhos azuis passou a noite instalando as luzes de Natal em sua casa.

Jack Pinto (6) Aficcionado por luta livre, fazia parte da equipe do colégio. Um amigo contou que, apesar do pouco tempo de prática, já havia ganhado uma medalha.

Charlotte Bacon (6) Inteligente e obstinada, escolheu o vestido novo cor-de-rosa e as botas brancas para ir ao seu último dia de aula. Era adepta do escotismo.

Madelina Hsu (6) Segundo um médico amigo da família, os pais de Hsu estão “devastados” e preferiram o silêncio.

Avielle Richman (6) Estudante da 1ª série, era filha de uma vendedora de equipamentos elétricos que frequentou a mesma escola, quando criança.

Benjamin Wheeler (6) De acordo com o rabino de Newtown, Ben era um menino adorável. “Ele estava sempre disposto a sair e era o primeiro a dançar, para que todos o seguissem”, disse ao Washington Post.

Allison Wyatt (6)

Josephine Gay (7)

Rachel Davino (29)

Dylan Hockley (6) A única vítima britânica da tragédia, estava sempre sorridente e amava super heróis. Vivia com a família na mesma rua que Adam e Nancy Lanza.

Daniel Barden (7) Filho de Mark Barden, um músico conhecido na região de Newtown, e de Jacqueline, o pequeno Daniel estava sorrindo em quase todas as fotos do álbum de família. Seus hobbies eram natação e futebol.

Olivia Engel (6) Extrovertida, criativa, adorava chamar a atenção. Segundo um amigo da família, ela tinha “modos perfeitos” à mesa e era considerada o xodó da professora. Catherine Hubbard (6) Vizinha de um funcionário da rede de tevê ABC News, pouco foi revelado sobre a garotinha ruiva e sardenta. A família divulgou uma nota em que expressa gratidão à polícia.

Noah Pozner (6) De religião judaica e filho de uma enfermeira no hospital da cidade, Noah tinha uma irmã gêmea — também aluna da escola, ela sobreviveu, sem ferimentos.

James Mattioli (6) Os avós maternos de James moram em Sherrill, no estado de Nova York. O jornal local Utica Observer-Dispatch publicou que a morte do garoto “é uma terrível tragédia para uma comunidade unida”.

Jesse Lewis (6) Todos os dias, ele gostava de chocolate quente acomanhado de sanduíche com salsicha, ovos e queijo. Seu passatempo predileto era brincar com a coleção de animais. Era um entusiasta de cavalos.

Chase Kowalski (7) Brincar no quintal, andar de bicicleta, inventar um mini-triatlo e jogar beisebol. Chase era lembrado pelos vizinhos como um “menino lindo, incrível, que não fazia nada mais do que sorrir”.

Caroline Previdi (6) Tinha o apelido de Boo, uma alusão ao filme Monsters, por ser parecida com a personagem principal.

Jessica Rekos (6) Filha de uma professora da Escola do Distrito de Bridgeport, tinha os olhos azuis e adorava fantasiar-se de princesa.

Ana Marquez-Greene (6) Filha do saxofonista de jazz Jimmy Greene, morava em Newtown havia apenas cinco meses. Natural de Porto Rico, Ana dizia estar contente com a escola. O irmão, de 9 anos, estava em outra sala e escapou.

Emilie Parker (6) A linda menina loira e de olhos azuis foi descrita pelo avô como alguém que se importava com o próximo. “Tinha um coração muito grande”, contou ao jornal The Washington Post.