O globo, n. 31657, 09/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Mortes em alta

09/04/2020

 

 

 Recorte capturado

Óbitos Chegam a 800 No Brasil, E Stf Decide Que Governadores Podem Impor Medidas

O número de brasileiros diagnosticados com o novo coronavírus subiu para 15.927, e o total de mortes já atinge a marca de 800, segundo dados divulgados ontem pelo Ministério da Saúde. Somente ontem, foram registradas 133 óbitos, o número mais alto até o momento.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ontem à noite que governos estaduais e municipais têm poderes para decretar ordens restritivas durante a pandemia —entre as quais o isolamento social, a quarentena, a suspensão de atividades de ensino, as restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas —, mesmo que o governo federal tome depois medida em sentido contrário. Ainda segundo o ministro, a validade dos decretos dos governos estaduais e das prefeituras poderá ser analisada pelo Judiciário individualmente.

“Não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/ isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos”, escreveu Moraes.

A decisão foi tomada em uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Apesar do aumento das estatísticas oficiais, o presidente Jair Bolsonaro voltou a se opor publicamente às medidas de isolamento.

— Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença — afirmou, durante pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu medidas restritivas:

— Ela (taxa de crescimento de 16% dos casos confirmados entre terça e quarta) reflete hoje o comportamento das duas últimas semanas. Como foram semanas em que diminuímos muito a mobilidade social, esse número vem se mantendo. Ele chegou a ser mais de 20% no começo.

Estava andando a 25%, 26%. Isso que se chama diminuir a velocidade.

Medidas drásticas de isolamento tomadas em países asiáticos já estão comprovadas pela ciência como as mais eficazes para frear o contágio. Estudiosos estimam que 60 mil vidas já foram salvas somente na Europa por causa do distanciamento social. Ainda é difícil, no entanto, estimar o prazo entre a quarentena e os resultados, segundo especialistas do Imperial College, de Londres

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Mais mortes e menos testes explicam letalidade

André de Souza

Leandro Prazeres

Renata Mariz

Victor Farias

09/04/2020

 

 

Mandetta alerta que população não deve relaxar e sair às ruas sem necessidade, e cita o Rio como preocupação nesse sentido

No dia em que as mortes por Covid-19 no país chegaram a 133, batendo a marca total de 800, o governo fechou a compra de 6.500 respiradores como maior fabricante nacional. Os equipamentos devem ser entregues em até 90 dias, a um custo de R $350 milhões. A produção é resultado da ação coordenada de indústrias que se uniram para fabricar componentes antes importados. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou estar preocupado com o possível relaxamento nas medidas de isolamento dos que podem ficarem casa, principalmente nos grandes centros. Ele disse que a taxa de crescimento de casos, de 16%, deve-se ao distanciamento social das últimas semanas, mas pode voltar a crescer: “Nos preocupa o Rio, que hoje decidiu andar. Muito cuidado”. O ministro afirmou que o presidente Bolsonaro é quem está no comando da luta contra a doença. Em seu quinto pronunciamento na TV desde o início da crise, Bolsonaro atribuiu a responsabilidade por medidas restritivas a governadores e prefeitos. O STF decidiu que a competência para determinar isolamento e fechar o comércio é das autoridades regionais e locais.

Para além do aumento recorde, em números absolutos, da quantidade de mortes e casos confirmados do novo coronavírus em 24 horas, os números da evolução do contágio no Brasil, apresentados pelo Ministério da Saúde, chamam atenção pelo crescimento da letalidade da doença no país.

Em uma semana, a taxa de letalidade, que é a proporção das mortes registradas em comparação com o número de casos confirmados, aumentou 42%. Em 1º de abril, essa taxa era 3,5%, ou seja: a cada 200 pessoas confirmadas com a doença, havia sete mortes. Agora, a cada 200 pessoas com diagnóstico positivo, há dez óbitos, uma taxa de letalidade de 5%.

Como em alguns estados o número de testes foi reduzido apenas a casos graves, pacientes com sintomas leves deixaram de ser contabilizados nas estatísticas, o que aumenta a proporção do número de mortes entre os casos totais. Mundialmente, até a noite de ontem a taxa de letalidade da Covid-19 no planeta era de 5,8%, um pouco acima.

Outro número comparativo para se ter a dimensão do momento que o Brasil está na evolução da pandemia é a taxa de mortalidade, que mede o número de óbitos em relação não ao número de casos, mas a toda a população do país. Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil tem uma taxa relativamente baixa. O país tem um índice de 0,4 mortes a cada 100 mil habitantes, enquanto na Espanha esse número chegou a 31,2, na Itália está em 28,3 e nos Estados Unidos é de 3,9.

SEM “LARGAR MÃO”

De terça para ontem, houve um aumento de 16% no número de casos confirmados. O índice de crescimento diário já chegou a ser maior do que 20%. O ministro Mandetta demonstrou preocupação com o possível relaxamento nas medidas de distanciamento social, o que poderia elevar esse número no Brasil.

Ele pediu que a população reforce o entendimento de que não deve circular nas ruas sem necessidade, e alertou que começou a perceber um relaxamento das pessoas nesse sentido.

—Vejo que estamos começando a largar mão, nos grandes centros, que são os que nos preocupam, principalmente aquelas cidades. Nos preocupa, por exemplo, o Rio de Janeiro parece que hoje decidiu andar... Muito cuidado. Porque esse número, se andar, vai apontar ali, de 16% vai para 20, 25, 30, 50% num dia. Não tem sistema que aguente —disse o ministro.

Sobre o crescimento expressivo do número de mortes, ele lembrou que parte pode ter ocorrido em dias anteriores, mas só foram registrados recentemente após terem o exame confirmando a contaminação por coronavírus.

—Isso aí (gráfico de notificações) tem óbito lá de trás, tinha um acumulado de óbitos, que a gente está indo atrás para ter certeza máxima, para diminuir o número de óbitos com causa a esclarecer. (...) É interessante, nos próximos, saber o que é antigo e o que é realmente de evolução da doença —afirmou.

Amazonas, Distrito Federal, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro são os estados que mais vêm preocupando o Ministério da Saúde em relação à taxa de incidência (o número de casos em relação à população do estado). Nestes locais, a taxa de incidência tem sido ao menos 50% superior à média nacional. Ontem, o Amapá também entrou na lista, ocupando a quinta posição, à frente do Rio.

Sobre o perfil dos mortos, o ministério informou que cerca de um em cada quatro tinha menos de 60 anos, segundo dados de 655 dos 800 óbitos catalogados. Três vítimas tinham idade entre 6 e 19 anos.