O globo, n. 31657, 09/04/2020. Especial Coronavírus, p. 7

 

Em defesa de mais circulação

Gustavo Maia

Daniel Gullino

09/04/2020

 

 

 Recorte capturado

Bolsonaro, alvo de panelaços, volta a criticar restrições

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender ontem o relaxamento das medidas de isolamento social adotadas por governadores contra o novo coronavírus e disse que pensa em submeter ao Congresso, por projeto de lei, a ampliação de categorias essenciais que poderão circular livremente, independentemente das restrições impostas por governadores e prefeitos.

—Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença —afirmou, durante pronunciamento em rede nacional.

Mais cedo, à TV Bandeirantes, o presidente afirmou não ter editado um decreto sobre o tema porque foi alertado que teria um “problema enorme” no Judiciário e no Legislativo.

— Eu fiz um anúncio dessa possibilidade e, poucas horas depois, o presidente da Câmara (Rodrigo Maia) disse que derrubaria, via projeto de decreto legislativo o meu decreto. E também tive notícias que o meu decreto iria sofrer impedimentos, vamos assim dizer, ações na Justiça a partir da primeira instância. (...) Penso até em transformar meu decreto em projeto de lei,e mandar para o Parlamento decidir —declarou o presidente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), as demais autoridades da área de saúde, porém, afirmam que o distanciamento social é importante para reduzir o número de mortes. No caso da OMS e dos principais economistas do mundo, há ainda a recomendação de que os governos promovam medidas que ajudem a população que perde renda com a paralisação das atividades. A efetividade no envio dos auxílios é a maior cobrança a governos.

O presidente comentou que “tem estado que já está abrindo”, citando o Distrito Federal, que, segundo ele, “já abriu muita coisa”. E relatou ter ouvido de um colega de São Paulo que o trânsito de carros já foi maior do que ontem, para dizer que isso está acontecendo no Brasil todo.

“RESPEITO A AUTONOMIA”

Mais tarde, em pronunciamento transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Bolsonaro disse ser preciso resolver simultaneamente os problemas do novo coronavírus e do desemprego. Em tom mais moderado, afirmou respeitar a autonomia dos governadores e prefeitos, mas reforçou que o governo federal não participou dessas decisões, apesar de serem baseadas em recomendações do Ministério da Saúde.

— Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração. Espero que brevemente saiamos juntos e mais fortes para que possamos melhor desenvolver o nosso país —afirmou.

Ainda no pronunciamento, que foi alvo de panelaços em capitais como Rio, São Paulo e Brasília, o presidente fez a defesa do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 desde a fase inicial da doença. No discurso, ele contou que conversou com o cardiologista Roberto Kalil Filho, que admitiu ter usado o medicamento para se tratar da enfermidade.

—Após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial. Há pouco, conversei com o Dr. Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o Juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos — declarou Bolsonaro.

Parabenizando o médico, que atende, entre outros, os ex-presidentes Lula e Dilma, ele mencionou que o protocolo de testes ainda não foi finalizado, mas disse que Kalil relatou ter ministrado o medicamento agora, “para não se arrepender no futuro”:

— Essa decisão poderá entrar para a História como tendo salvo milhares de vidas.

Esta foi a quinta vez que o presidente usou o expediente para se dirigir à população sobre a crise do novo coronavírus. Ele disse ainda ter a certeza que “a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar”, mas se “observadas as normas do Ministério da Saúde”.

Em entrevista ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que a receita de cloroquina a pacientes que acabaram de sentir os sintomas e, principalmente, que ainda não foram diagnosticados com coronavírus pode gerar complicações.

— Por que não dá para todo mundo no primeiro dia (tomar cloroquina). Isso eu já expliquei várias vezes, mas vou explicar uma vez mais. (...) Hoje a maior parte das gripes dentro do Brasil não é coronavírus, são vírus conhecidos H1N1 que fazem quadro gravíssimo de pneumonia. Então, entrar com o medicamento cloroquina para esse tipo de vírus, que você não tem o diagnóstico de certeza, já seria uma primeira complicação.

“Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença”

Jair Bolsonaro, presidente