O globo, n. 31657, 09/04/2020. Especial Coronavírus, p. 8

 

A distância como remédio

Rafael Garcia

09/04/2020

 

 

Isolamento freia o vírus, mas tempo de ação leva até 1 mês

Após três meses de medidas drásticas sendo tomadas em países asiáticos para conter o novo coronavírus, a ciência já atesta que políticas para o distanciamento social funcionaram, mas levaram até um mês para surtir efeito.

Cientistas estimam que, só na Europa, essa estratégia salvou a vida de 60 mil pessoas até o fim de março. É difícil, porém, estimar o tempo entre a tomada de ações e os resultados perceptíveis na desaceleração da epidemia em cada caso.

Os estudos mais detalhados sobre essas medidas estão sendo conduzidos por epidemiologistas do Imperial College de Londres. Cientistas divulgaram uma pesquisa preliminar comparando o efeito de ações tomadas em seis localidades que estiveram entre as primeiras a registrar casos.

Em Wuhan (China), Coreia do Sul, Japão, Hong Kong, Cingapura e Itália, as medidas de contenção tiveram efeito significativo no ritmo dos registros de novos casos da Covid-19.

O intervalo entre ação e efeito variou tipicamente entre duas semanas e um mês. A única exceção foi a Itália, que não foi acompanhada por tempo suficiente no estudo para registrar uma queda do número de casos atribuível ao distanciamento social. Os números mais recentes do país, porém, sugerem que a estratégia funcionou ali também.

A dificuldade dos pesquisadores em determinar o grau de eficácia para cada política de contenção “não farmacológica” (que não conta com remédios ou vacinas) é que é difícil medila. Isso se aplica também aos já que algumas populações aderem mais a recomendações do que outras, e essa adesão ainda pode variar de um momento a outro.

Uma vantagem de avaliar os países em questão é que quase todos (à exceção da Itália) estavam testando boa parcela dos casos suspeitos.

HORA CERTA

“A implementação de medidas de controle na hora adequada é a chave para seu sucesso, e é preciso manter um equilíbrio entre um início precoce o suficiente e para reduzir o pico da epidemia e a garantia de que elas possam ser mantidas viáveis por uma duração apropriada”, escreveram os autores do estudo, liderado pela epidemiologista Natsuko Imai.

O caso de sucesso mais bem documentado é o de Cingapura, que manteve a taxa de novos casos diários de Covid-19 abaixo de 13 durante quase dois meses. O país agiu cedo na vigilância e nos comunicados públicos antes de a epidemia sair da China e impôs restrições de deslocamento em 29 de fevereiro, uma semana após receber o primeiro caso importado. Cingapura também adotou linha dura, impondo quase todas as suas medidas com força de lei.

A Coreia do Sul, por sua vez, sofreu escalada no número de novos casos a partir da segunda metade de fevereiro, justamente quando decidiu tomar as medidas mais rígidas, como fechamento nacional de escolas, universidades e locais de trabalho. Mas, após duas semanas de aceleração da epidemia, depois de registrar 700 casos num único dia, o país viu o número de novos casos começar a diminuir.

O intervalo de duas semanas não é acidental, e reflete o tempo de dois a três ciclos de incubação do vírus seguido dos primeiros sintomas.

Em Wuhan, o tempo entre a implementação das medidas mais drásticas e a diminuição da epidemia foi de quase um mês, mas a cidade chinesa onde a Covid-19 emergiu passara um tempo desconhecido sofrendo a epidemia sem que ela tivesse sido detectada.

“A maioria desses países e dessas regiões implementaram isolamento de casos, rastreamento de contatos e quarentenas em reação ao primeiro caso importado da China”, escreveu Imai.

Um exemplo de consequência da demora em reagir saiu da própria Itália, que registrou o primeiro caso em 31 de janeiro, mas só 23 dias depois tomou medidas mais duras, como fechamento de escolas e cancelamento de eventos públicos.

Medidas mais recentes do Imperial College, porém, aponta desaceleração ali.

Em fevereiro, cada italiano infectado transmitiria o vírus para outras quatro pessoas, em média, mas agora cada habitante do país passa adiante o patógeno para apenas mais uma pessoa.

O custo do atraso na Itália, porém, se refletiu em mais mortes, porque o número de casos graves excedeu o de leitos hospitalares.