O globo, n. 31657, 09/04/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

Risco para indígenas

Daniel Biasetto

09/04/2020

 

 

Governo admite perigo com casos em três Estados

O Brasil já soma ao menos sete casos do novo coronavírus entre indígenas de quatro etnias diferentes espalhados por três estados da região Norte. Durante entrevista coletiva ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou a contaminação de um adolescente ianomâmi e admitiu preocupação. O jovem, de 15 anos, deu entrada no Hospital Geral de Roraima no dia 3 de abril com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e está na UTI, em estado grave. Mandetta afirmou que o governo pode construir hospitais de campanha para as comunidades.

— Estamos analisando a possibilidade de fazermos um (hospital de campanha) para as comunidades indígenas. Hoje tivemos caso confirmado nos ianomami, o que muito nos preocupa. Temos feito retirada de pessoas de helicóptero para poder levar para centros de maior complexidade, procurado fazer isolamento, com toda a dificuldade que é de cultura, de explanação, de língua — disse o ministro.

Para tentar conter a disseminação do novo coronavírus entre os ianomâmi, 20 testes rápidos foram enviados para a Aldeia Rehebe, destino do adolescente após deixar o município de Alto Alegre (RR) por causa da suspensão das aulas. Lideranças indígenas denunciam que o assédio de garimpeiros complica ainda mais a situação dos ianomâmi. Cinco profissionais de saúde que tiveram contato com o adolescente já estão em isolamento, assim como as pessoas que estiveram com eles.

Os outros casos de indígenas com a doença são de uma senhora borari, de 87 anos, que só teve o diagnóstico confirmado pela Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) depois de ter sido sepultada, em Alter do Chão, distrito de Santarém (PA); um homem de 45 anos da etnia baré, em Manaus; e quatro pessoas da mesma família da etnia konama, em Santo Antônio do

Içá, no Amazonas.

Ao GLOBO, o Ministério Público Federal (MPF) confirmou que instaurou inquérito civil para apurar a morte da idosa em Alter do Chão. Familiares e lideranças indígenas locais denunciaram ao órgão que não houve notificação do caso como suspeito para o novo coronavírus. Por ser considerada uma guardiã da cultura regional, as cerimônias que marcaram seu funeral, no dia 20 de março, reuniram centenas de pessoas. O MPF deu 24 horas para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Sespa prestarem esclarecimentos sobre o óbito e as medidas adotadas.

“Tal fato traz grande inquietação na população local, pois caso confirmado que a causa do óbito foi a Covid-19, o que poderia indicar transmissão para um grande número de pessoas que participaram do velório, com probabilidade de se iniciar um foco de transmissão comunitária”, diz trecho do documento que determina instauração de inquérito. Questionados pelo GLOBO, Sesai e Sespa não se manifestaram.

SUSPENSÃO DE NOMEAÇÃO

O MPF voltou a pedir à Justiça ontem a suspensão da nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai). O primeiro pedido havia sido feito em fevereiro, antes da nomeação, mas a liminar foi negada.

No pedido enviado à 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília, ao qual O GLOBO teve acesso, o MPF aponta “conduta omissiva” de Lopes Dias em relação à proteção desses povos em meio à pandemia novo coronavírus e que isso os expõem “a um risco iminente de genocídio”, sobretudo, pela baixa resistência que eles têm a doenças respiratórias. O MPF chama ainda de “inadmissível” a letargia da Funai e do coordenador em elaborar planos de prevenção para evitar a disseminação da doença em populações que não têm memória imunológica.