O globo, n. 31656, 08/04/2020. Opinião, p. 2

 

Rede de segurança institucional aparece na crise

08/04/2020

 

 

Dada a natureza política e pessoal do presidente Bolsonaro e família, está claro para todos que a permanência de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde tem prazo de validade. Ele permanece porque construiu uma relativa blindagem com seu trabalho e da equipe na preparação do país, em coordenação com estados e municípios, para receber o impacto da Covid-19, a mais grave epidemia mundial em 100 anos. Choque que se começa a sentir agora — ontem, eram 667 mortes e 13.717 infectados, um levantamento a ser multiplicado por algum fator para compensar uma grande subnotificação. A situação é pior do que parece.

A conspirata tramada na bolha bolsonarista para trocar um ministro que conquistou grande apoio popular ao seguir a Ciência e preceitos médicos por alguém permeável às pressões presidenciais, para acabar com o isolamento social muito antes da hora, terminou felizmente esvaziada por bem-vindas articulações do Legislativo e Judiciário. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado e Congresso, Davi Alcolumbre, reforçaram, por diversos canais, o alerta ao Planalto de que haveria uma reação do Congresso à demissão de Mandetta. Do Supremo, também já haviam sido lançados sinais de que a Corte acolheria arguições sobre a saída do ministro.

O curto-circuito serviu para mostrar a existência de uma rede de segurança para conter desvarios. Dentro do estado democrático de direito, sem qualquer arbítrio. Há segurança jurídica, garantida pela Constituição. O Congresso pode bloquear atos do Executivo “que exorbitem do poder regulamentar”, conforme a Carta. Segundo juristas, acabar com o isolamento social por decreto do Planalto, devaneio bolsonarista, será revogado no Congresso porque contraria, por exemplo, a Lei do Coronavírus, a 13.979, aprovada em janeiro. Está na lei que medidas tomadas na epidemia “somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas (...)”. Esta mesma visão têm ministros do Supremo.

Confirmada a permanência de Mandetta, noticiou-se que o Ministério da Saúde passou a recomendar a municípios e estados que venham praticando o isolamento social, e não tenham mais da metade de suas estruturas de saúde ocupadas, que analisem flexibilizar este isolamento, preservando os grupos de risco (maiores de 60 anos, cardíacos etc.). Pareceu concessão do ministro, porque cidades que se enquadrem nesta situação não estarão livres de ver seus hospitais pressionados em pouco tempo, devido à rapidez com que a Covid-19 se propaga.

No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel liberou prefeitos do Norte/Noroeste Fluminense, onde há baixa incidência da Covid, para decidirem seus casos, um a um. A flexibilização feita por Mandetta, por sua vez, pode esbarrar em decretos estaduais. Se ocorrer o choque, a Justiça mediará o conflito, sem crises, dentro das regras do jogo democrático.