O globo, n. 31656, 08/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

As primeiras vítimas

Ana Lucia Azevedo

Lucas Altino

08/04/2020

 

 

25% dos profissionais de saúde do rio testados tinham covid-19

Profissionais de saúde da rede pública do estado do Rio de Janeiro apresentam taxas de infecção pelo coronavírus de 25%. O percentual é elevadíssimo, maior do que o registrado em Espanha e Portugal —ambos de 20% —e ainda superior ao da Itália (15%).

Os dados são de pesquisa de uma força-tarefa pioneira para testagem molecular de Sars-CoV-2, que reúne mais de 60 pesquisadores, médicos e enfermeiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Entre 16 de março e 3 de abril, a força-tarefa contra a Covid-19 testou 700 pessoas, entre profissionais de saúde de hospitais públicos e pessoal da universidade, atendidos no Centro de Triagem de Covid-19 da UFRJ. A iniciativa teve apoio da Faperj e da Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia.

O percentual de infecção, classificado como brutal pelos cientistas, evidencia duas coisas. A primeira é a falta de equipamentos de proteção( EPIs) para os profissionais. A segunda é a ampla disseminação do coronavírus na população.

Os profissionais de saúde estão vulneráveis porque muitos têm trabalhado sem os EPIs e em locais de grande aglomeração, os hospitais.

— Se entre eles vemos um percentual colossal de infectados, temos certeza de que, entre a população, o número de positivos é muito maior do que mostram as estatísticas, que são apenas indicadoras da tendência de um aumento explosivo (de casos) — alerta o professor Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ.

— O coronavírus está solto pelo Rio e muita gente não encara a doença coma gravidade que ela teme desrespeita o isolamento.

O pesquisador e professor Orlando Ferreira, do mesmo laboratório, diz que os dados da testagem mostram que o espalhamento do Sars-CoV-2 tem se acelerado exponencialmente:

—O percentual de positivos no Rio é brutal, e o número de pessoas para a testagem não para de crescer. Tão brutal quanto isso é o descaso de parte da população. Quem não faz isolamento mostra descaso pelo sofrimento dentro dos hospitais. Tem anestesista se infectando porque precisou entubar um doente de Covid-19 sem proteção alguma, e te mg enteques e achano direito de passe arna praia, desrespeitando a quarentena.

Tanuri explica que, no início da rotina de testes, era zero o percentual de infecção. Os primeiros casos só apareceram em 16 de março e, em seguida, explodiram, um sinal de que a população não faz o isolamento que deveria e expõe os profissionais de saúde, a despeito dos apelos do poder público.

— Temos esse primeiro resultado, mas os testes continuam. Vamos monitorar a pandemia de Covid-19 em nosso Estado. Ontem (segunda-feira), o percentual de infectados pelo coronavírus chegou a mais de 50% das 140 amostras testadas. É colossal.

A força-tarefa da UFRJ contra o coronavírus Sars-CoV-2 abrange a estrutura física de cinco laboratórios de pesquisa para recebimento das amostras, extração de material genético viral e montagem da reação de PCR em tempo real, além de equipamentos cedidos por outros cinco laboratórios. Também conta com o apoio de 64 membros de diversos institutos de pesquisa da UFRJ. Trinta pessoas estão de prontidão para serem acionadas a qualquer momento para ajudar nas testagens. Uma equipe da Faculdade de Medicina e da Escola de Enfermagem AnaNery, liderada pela professora Therezinha Marta Pereira Pinto, contribui upara a triagem dos testes.

 

VETORES DE CONTÁGIO

Atualmente, não há informações oficiais sobre a quantidade de profissionais de saúde infectados no país. Expostos ao risco de contaminação, eles podem se tornar vetores de contágio. Anteontem, dois médicos morreram por decorrência do Covid-19 no Rio.

Na semana passada, o Sindicato de Médicos do Rio (Sinmed/RJ) iniciou um levantamento, através de formulários entregues a todos profissionais de saúde, para estatísticas sobre contagiados. Mas o tempo de resposta é lento e ainda não há dados disponíveis.

— Infelizmente, tanto na rede pública quanto privada, a quantidade de EPIs não é suficiente. A situação é grave— lamenta Telles, que estima existir de sete a dez vezes mais casos que os notificados oficialmente.

— Além disso, o tempo de espera está muito alto, cerca de sete dias até ter o resultado. Nesse meio tempo, apessoa já se curou ou ficou em estado grave, então perdemos a oportunidade de estabelecer medidas preventivas.

Além do governo, a sociedade civil também empenha-se em ampliar o diagnóstico do Covid-19. Empresários do ramo de insumos médicos idealizaram a campanha Unidos Contra o Coronavírus, que busca a captação de patrocínios privados para comprar testes sorológicos. O programa já tem cinco mil “testes rápidos” disponíveis, que serão aplicados na rede municipal do Rio, começando pelo Hospital Ronaldo Gazolla, mas o objetivo é chegar à marca de 1 milhão e abranger todo o país.