O globo, n. 31656, 08/04/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

Pandemia afeta a renda e o futuro de moradores de favelas

Selma Schmidt

08/04/2020

 

 

Pesquisa mostra que custo de vida aumentou, e 83% temem redução de ganhos

Dono de uma academia de ginástica na Vila Kennedy, Mário Sérgio de Souza — conhecido como Mário Love, por ser primo do jogador Vágner Love — viu sua vida virar de ponta-cabeça com o coronavírus. Há 24 dias sem poder abrir sua loja, ele passou a depender da ajuda de parentes para sobreviver. Na avalanche de más notícias, também teve que suspender o pagamento de seus 15 funcionários e deu férias coletivas.

Mário não consegue vislumbrar luz no fim do túnel. Ele é um exemplo do impacto da pandemia no bolso dos moradores das comunidades do Rio, mais do que em outros estados brasileiros. Pesquisa do Data Favela — uma parceria entre a Central Única de Favelas (Cufa) e o Instituto Locomotiva — mostra que, no Rio, 95% das famílias viram seus gastos aumentarem após o coronavírus,11 pontos percentuais acima do resto do país. No Rio, 88% dos entrevistados disseram que as vendas do negócio em que trabalham diminuíram. De 0 a 10,a média é de 7,5 quanto à expectativa de perda do trabalho. E, entre os entrevistados no estado, 83% afirmam que a epidemia vai diminuir sua renda.

—Cesta básica ajuda.Mas se não acontecerem ações efetivas, públicas e privadas, para garantir uma renda mínima e o adiamento das contas, pode gerar revolta nas favelas —diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

Para sobreviver, Love, que é fisioterapeuta, tem pedido adiantamento a pacientes e empréstimos a parentes:

— O governo precisa ver que, por trás de cada CNPJ que se encerra, há muitos CPFs.

Na sua avaliação, os custos para o favelado cresceram com a pandemia, sobretudo devido às crianças em casa, sem merenda. Os pesquisadores não perguntaram a razão desse aumento, mas há outras causas suspeitas.

—Minha opinião é que há mais comunidades controladas por milicianos no Rio do que restante do país, e eles aumentaram preços de produtos e serviços —afirma Meirelles.

A pesquisa foi realizada em âmbito nacional entre 20 e 22 de março. O recorte do estado — com base em depoimentos de 321 moradores de 35 favelas —foi feito a pedido do GLOBO.

—Há milhões de brasileiros, autônomos, com a geladeira vazia — diz Celso Athayde, presidente da Cufa.