O globo, n. 31655, 07/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Demissão abortada

Gustavo Maia

Naira Trindade

Thais Arbex

André de Souza

Renata Mariz

07/04/2020

 

 

Com apoio de congresso, suprem/o e servidores, mandetta fica na saude

 

AGÊNCIA O GLOBOProtesto. Servidores do Ministério da Saúde descem de seus andares, usando máscaras, para cobrar a permanência do ministro Luiz Henrique Mandetta no cargo. Naquele momento, a demissão era considerada certa no comando do governo

 Após pressão vinda do Supremo Tribunal Federal e do Congresso e uma articulação de militares, o presidente Jair Bolsonaro decidiu manter Luiz Henrique Mandetta à frente da Saúde. Um ato de exoneração foi preparado no Palácio do Planalto, mas, após uma reunião tensa com toda a equipe ministerial, coube ao próprio Mandetta dizer, em entrevista coletiva, que fica, e revelar que até suas gavetas já haviam sido limpas por seus auxiliares:

— Hoje foi um dia que rendeu muito pouco o trabalho. Ficaram com a cabeça avoada se eu iria permanecer, se eu iria sair. Gente aqui dentro limpando gavetas. Até as minhas gavetas. Nós vamos continuar, porque continuando a gente vai enfrentar nosso inimigo. O nosso inimigo tem nome e sobrenome: Covid-19.

As declarações de Mandetta encerraram um dia marcado por idas e vindas sobre sua permanência no cargo. Logo pela manhã, Bolsonaro determinou que fosse preparado um ato de exoneração do ministro e convocou uma reunião de seu primeiro escalão para o horário tradicionalmente destinado às entrevistas do governo sobre o combate ao coronavírus. Após O GLOBO revelar, no início da tarde, a decisão de Bolsonaro, os presidentes do STF, Dias Toffoli, e do Congresso, Davi Alcolumbre, então, procuraram o Planalto para informar que uma saída do ministro neste momento seria mal recebida

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, após reunião com o presidente Bolsonaro e todos os ministros no Palácio do Planalto. pelos demais poderes, e pela sociedade.

A reunião ministerial, na qual se esperava a demissão de Mandetta, foi tensa. Ministros com formação militar cobraram do colega que aproximasse seu discurso do presidente na tentativa de demonstrar união do governo e responder às cobranças de Bolsonaro. Mandetta não reagiu e saiu de lá autorizado a dizer que continuava. Com apoio dos militares.

Ainda no Planalto, o ministro se recusou a assinar um decreto que vinha sendo elaborado pelo governo federal para permitir que profissionais da saúde e pacientes infectados com Covid-19 e que estejam em estado grave possam fazer uso do medicamento hidroxicloroquina para o tratamento da doença.

O ministro foi convidado a conversar com os médicos Nise Yamaguchi e Luciano Dias Azevedo, mas ele disse ter aconselhado os dois especialistas a debaterem primeiro com os seus pares para depois submeter ao ministério.

Na entrevista em que tratou de sua permanência, o ministro deixou claro que não mudará sua linha de atuação. Ressaltou o fato de sua equipe ser técnica e dar voz à “ciência”. Falando sobre o coronavírus, e não sobre o vaivém de declarações de Bolsonaro, Mandetta reclamou:

— É muito difícil trabalhar nesse sistema, em que a gente não sabe ao certo como vai ser o próximo dia, a próxima semana — disse.

— Gostamos da crítica construtiva, o que temos muita dificuldade é quando, em determinadas situações, por determinadas impressões, as críticas não vêm no sentido de construir, mas que vêm para trazer dificuldade no ambiente de trabalho. Isso, não preciso traduzir, vocês sabem, tem sido uma constante

Mandetta disse que, quando deixar o ministério, vai sair junto com sua equipe, mandando um recado também a servidores que, no fim da tarde, o esperavam na frente da pasta para um desagravo:

— Vocês do Ministério da Saúde que saíram dos seus setores e ficaram aqui me esperando para fazer choro, cantos, bater panela, vocês vão todos trabalhar, que é o que vocês deveriam estar fazendo enquanto eu estava lá (no Planalto). Não é para parar enquanto eu não falar para parar. Aqui nós entramos juntos, nós estamos juntos e quando eu deixar o ministério, nós vamos colaborar muito para qualquer equipe que aqui venha, mas nós vamos sair juntos.

DISPUTAS FUTURAS

Horas antes da reunião ministerial, Bolsonaro comandou um encontro no Planalto para tratar da Covid-19 sem a presença de Mandetta. Além de ministros que dão expediente junto ao presidente — o chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto; o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira; o da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; e o do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno —, foi convidado o deputado e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, opositor ao isolamento social, como o presidente e a infectologista Nise Yamaguchi.

Assessores do presidente evitaram tratar a permanência do ministro como definitiva. Houve lembrança às saídas de Ricardo Vélez Rodrigues da Educação e do próprio Terra, da Cidadania, adiadas em alguns dias por terem sido divulgadas antes pela imprensa. O núcleo militar do governo tenta aproximar o discurso de Mandetta ao de Bolsonaro, que tem enfatizado mais os aspectos econômicos do que os relativos à saúde. Mas já começam a trabalhar para que uma eventual troca seja por um nome que seja apontado como de perfil técnico, tendo hipotecado apoio a Nise Yamaguchi em vez de Terra, que, apesar de médico, é deputado federal pelo MDB.

A continuidade de Mandetta,ao menos por ora,é atribuída mais à pressão externa. Alcolumbre fez questão de telefonar para o ministro Ramos para dizer que uma demissão tornaria a relação do governo com o Parlamento “muito difícil”. Ele conversou também com Onyx Lorenzoni (Cidadania), a quem disse não ser possível tirar um ministro que faz “excelente trabalho”. Integrantes da bancada da Saúde estiveram com Mandetta pouco antes da reunião no Planalto, também para prestar solidariedade. O deputado Hiran Gonçalves (PPRR) divulgou um vídeo dentro do gabinete do ministro lamentando um clima de despedida.

Já o presidente do STF atuou em duas frentes: fez chegar ao Palácio do Planalto que demissão de Mandetta, neste momento, seria muito mal recebida não só pela Corte, mas por diversos setores da sociedade; e trabalhou para que o ministro da Saúde também fizesse algum gesto de harmonia em relação ao presidente.