O globo, n. 31655, 07/04/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Mandetta X Bolsonaro

Alice Cravo

Bernardo Mello

Juliana Castro

Juliana dal Piva

Marlen Couto

07/04/2020

 

 

As teorias que opõem ministro e presidente

Teorias e propostas mantiveram em rota de colisão o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Defendidas por nomes como o deputado federal e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RS), parlamentares bolsonaristas e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, as propostas são alvo de questionamentos na comunidade científica e não vêm sendo recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no combate à pandemia global do novo coronavírus.

Achatamento da curva

Os críticos da política de isolamento social afirmam que a medida não é eficiente para reduzir a velocidade e “achatar” a curva de novos casos da doença. A Itália costuma ser citada como exemplo de país onde a medida foi adotada, sem resultados práticos, já que registros da doença dispararam após a implantação da quarentena, no dia 9 de março. O governo italiano, entretanto, já prorrogou a medida até o domingo de Páscoa, dia 12 de abril, e agora observa redução no número de casos. A avaliação é que, no país, o problema foi que a quarentena começou tarde, quando o vírus já circulava muito.

—O número de novos casos nesta semana foi muito menor do que nas últimas semanas. Isto é claramente um efeito da quarentena e das restrições — afirmou Michele Tizzoni, da ISI Foundation, de Turim.

—O efeito das políticas nunca é imediato, elas levam algum tempo para produzir consequências.

Especialistas citam ainda a experiência da Coreia do Sul que, após investir na testagem massiva para isolar rapidamente a população infectada, passou a adotar medidas de restrição à circulação de pessoas no fim de março, após identificar um aumento de casos importados de Covid-19.

O primeiro-ministro sul-coreano, Chung SyeKyun, defendeu que a população respeite o distanciamento social para conter novos casos novos.

Isolamento vertical

A alternativa ao isolamento social, defendido pela OMS e pelo Ministério da Saúde, seria o chamado isolamento vertical, em que só grupos de risco, como idosos, são mantidos isolados. Contudo, especialistas alertam que a medida, defendida várias vezes por Bolsonaro, não é suficiente. Apesar de não serem grupo de risco, crianças e jovens devem ficar em isolamento porque são responsáveis pela maior parte das transmissões, uma vez que a doença costuma se manifestar de forma assintomática ou de forma muito branda neste grupo. Sem saber que carregam o vírus, elas colocam em risco os mais velhos.

Um estudo publicado por um grupo de cientistas chineses e americanos, coordenados pela Escola de Saúde Pública da Universidade Columbia, de Nova York, indicou que os portadores do vírus sem sintomas são responsáveis por dois terços das infecções. De acordo com o estudo, apesar de os pacientes que desenvolvem a doença serem duas vezes mais contagiosos, os assintomáticos são seis vezes mais numerosos. Mesmo com propensão menor a infectar outros, acabaram se tornando o motor que move a epidemia.

Edimilson Migowski, infectologista da UFRJ, explica que a quarentena é “horrível, mas necessária”:

—A Covid-19 é uma doença contagiosa e toda a população está vulnerável, já que não existe uma vacina ou um antiviral licenciado para este fim. Por isso há um grande potencial de que muitas pessoas adoeçam ao mesmo tempo.

Surto de H1N1

Críticos do isolamento social também costumam recorrer ao surto de H1N1, entre 2009 e 2010, para justificar que a quarentena agora é dispensável. Contudo, a necessidade de isolamento social tem relação coma velocidade de contágio e a taxa de letalidade do novo coronavírus, oque pode levar o sistema de saúde ao colapso. O H1N1 passava em média para 1,2 ou 1,3 pessoa e tinha um contágio mais devagar, explica o biólogo Átila Iamarino. Com isso, levou quase um ano e meio para que a doença rodasse o mundo infectando pessoas por diferentes países. Já a Covid-19 passa para duas a três pessoas.

O infectologista Antonio Flores ressalta que é importante lembrar que a letalidade do H1N1 variou de 0,02% ou seja, duas morte sacada 10 mil infectados, a 0,1%, uma morte acada mil infectados. Enquanto isso, a letalidade do novo coronavírus varia entre 1% e 4%:

— A letalidade é muito grande. É um vírus com facilidade de se transmitir, tanto que era localizado na China e hoje é um vírus pandêmico. Se ele mata as pessoas nessa proporção temos um grande risco e aí justifica a quarentena, que freia a transmissão e pode reduzir as mortes.

Imunização de rebanho

A tese da chamada “imunização de rebanho”, em que a maior parte da população fica exposta ao contágio com o objetivo de desenvolver anticorpos, foi criticada dentro da comunidade científica do Reino Unido, onde o governo foi um dos poucos a adotar a estratégia em nível nacional. Após uma escalada de casos, Johnson mudou de posição e passou a adotar o isolamento social como política nacional. Para Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), as estimativas sobre o percentual de população assintomática após exposição ao Covid-19 têm alto grau de incerteza e que o mais urgente é reduzir o número de casos que necessitam de hospitalização.