O globo, n. 31666, 18/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Pregação pela abertura

18/04/2020

 

 

Na cerimônia de posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro reiterou as críticas às medidas de isolamento social adotadas por governadores e reafirmou o propósito de reabrir o comércio, apesar do risco de piorar a situação. "Se ela se agravar, vem para o meu colo", disse ele, no dia em que o Brasil ultrapassou as duas mil mortes provocadas pela Covid-19. Bolsonaro pediu ao novo titular da pasta que adote uma política de meio-termo entre o que ele e o ex-ministro Mandetta pensam sobre o vírus. Teich prometeu trabalhar junto com os estados e municípios.

No dia em que o número de mortes provocadas pelo coronavírus ultrapassou a marca de 2 mil, com mais de 33 mil casos, o presidente Jair Bolsonaro deu posse ao seu novo ministro da Saúde, Nelson Teich, que substitui Luiz Henrique Mandetta. A tese de que o comércio e o país como um todo volte a funcionar foi repetida, mas Bolsonaro reconheceu que sua estratégia, oposta ao que recomendam a ciência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e governos do mundo, é arriscada.

— Eu agradeço, Mandetta, do fundo do coração. Aqui nãotemvitoriososenemderrotados. A História, lá na frente, vai nos julgar. E eu peço a Deus que nós dois estejamos certos lá na frente. Essa briga de começar a abrir para o comércio é um risco que eu corro, porque se agravar vem pro meu colo. Agora o que eu acredito que muita gente já está tendo consciência é que tem que abrir — declarou Bolsonaro, que também defendeu a reabertura de fronteiras como as com o Paraguai e o Uruguai. Bolsonaro criticou medidas adotadas por governadores, sem citá-los nominalmente. E disse que, no que depender dele, nenhum cidadão seria preso no Brasil por causa da desobediência ao isolamento. Isso porque a detenção seria apenas para quem "porventura estiver disseminando, de forma criminosa, algo que afetasse a saúde de todos". O presidente lamentou ter o poder limitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). — Pena que eu não posso intervir em muita coisa, porque o Supremo decidiu que as medidas restritivas que têm que ser respeitadas são aquelas de prefeitos e governadores. Mas vamos seguir o destino. Vamos respeitar a visão do Supremo Tribunal Federal, porque, afinal de contas, estamos numa democracia. Além da independência, há harmonia entre os Poderes. Mas eu repito: essas prisões, mais que ilegais, atingem a alma de cada cidadão brasileiro. Não podemos admitir isso. Não vou pregar desobediência civil, mas medidas como essas têm que ser rechaçadas por todos nós.

 ATO REJEITADO

A demissão de Mandetta foi reprovada por 64% dos brasileiros, informou ontem pesquisa do Datafolha. Na pesquisa, 25% dos entrevistados responderam que o presidente agiu bem ao demitir Mandetta, e 11% não souberam avaliar. A imagem do presidente permaneceu com índices semelhantes aos da última pesquisa. São 36% os que o aprovam. No começo de abril, eram 33%, uma oscilação dentro da margem de erro. A avaliação de ruim e péssimo para o governo é de 38%, um ponto percentual a menos do que no começo de abril. Para 23% dos brasileiros, segundo o Datafolha, a gestão é regular.

Na posse, Bolsonaro pediu a Teich que vá por um meio-termo, entre o que defende o presidente e o que defende Mandetta. Segundo ele, dessa forma o ministro chegará "naquilo que interessa para todos nós". — Junte eu e o Mandetta e divida por dois. Pode ter certeza que você vai chegar naquilo que interessa. Na saída da cerimônia, o vice-presidente Hamilton Mourão cumprimentou jornalistas que estavam no local à distância e comentou, dando risada:

— Tudo sob controle... Não sabemos de quem. O número de casos do novo coronavírus e de óbitos decorrentes da doença no Brasil bateram novos recordes ontem: foram 3.257 diagnósticos e 217 mortes nas últimas 24 horas. Com isso, a quantidade de pessoas infectadas com a Covid-19subiupara33.682eototal de óbitos atingiu 2.141. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde. No mundo, em apenas uma semana, o novo coronavírus deixou mais de 50 mil mortos, atingindo 150 mil óbitos ontem, segundo levantamento da universidade americana Johns Hopkins. O número de infectados passou de 2,2 milhões.

 ELOGIO DA OMS

São Paulo continua liderando entre os estados brasileiros, com 12.841 diagnósticos até o momento. Em seguida vem Rio de Janeiro (4.349), Ceará (2.684), Pernambuco (2.006) e Amazonas (1.809). São Paulo também lidera no número de óbitos: são 928 até o momento. Depois vêm o Rio de Janeiro (341), Pernambuco (186), Ceará (149) e Amazonas (145).

Sete estados já passaram da marca de mil casos: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Bahia, Minas Gerais. Deles, cinco também já ultrapassaram as cem mortes: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas. São Paulo, com 928 óbitos, se aproxima da marca dos mil. O diretor de programas de emergência da OMS, Michael Ryan, agradeceu ontem a Mandetta pelo trabalho à frente do Ministério da Saúde ao responder a uma pergunta da TV Globo: — Sim, nós estamos cientes de que o presidente do Brasil trocou o seu ministro. Gostaria de agradecer ao ministro pelo serviço dele ao povo — disse Ryan, em coletiva, acrescentando: —É crucial que não só o Brasil, mas todos os governos, tomem decisões baseadas em evidências.