O globo, n. 31666, 18/04/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

No olho da crise

Daniel Gullino

Gustavo Maia

Natália Portinari

Naira Trindade

18/04/2020

 

 

Com a presença do presidente Jair Bolsonaro e de seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, tomou posse ontem em cerimônia no Palácio do Planalto prometendo trabalhar junto com estados e municípios no combate ao coronavírus. Ainda sem apresentar os nomes de seus futuros auxiliares no comando da pasta ou as primeiras medidas que adotará, Teich disse que pretende acompanhar de perto o quadro na ponta do sistema de saúde para definir seu planejamento. Durante toda a posse, ele não falou sobre a política de isolamento, evitando termos como distanciamento social ou volta à normalidade. — Decidi acompanhar diariamente a evolução em cada estado e município sobre como está evoluindo a Covid-19 e outros problemas que possam estar relacionados à saúde. Trabalhando com os estados, com os municípios, (para) que a gente consiga ter uma agilidade na solução de problemas que vão surgir. Com tanta incerteza, você não consegue planejar muito na frente. Tem que analisar todo dia o que está acontecendo —discursou o ministro. Teich voltou a dizer que seu primeiro desafio é conseguir mais informações sobre o estágio do avanço da doença e a possibilidade de tratamentos. Entre os países mais atingidos pela Covid-19, o Brasil é relativamente um dos que menos conseguiram submeter a sua população a testes. — Outra coisa que eu tenho colocado é a importância da informação. Uma das características dessa doença que a gente vive hoje é a pobreza de informader ção sobre a doença, sobre a evolução dela, sobre possíveis tratamentos. Isso leva a um nível de ansiedade e medo que é enorme. O novo ministro também afirmou que não faz sentido opor saúde e economia, porque o que importa no final "é sempre gente":

— O foco que a gente tem aqui, tudo que a gente vai fazer, é nas pessoas. Por mais que você fale em saúde, por mais que você fale em economia, não importa o que você fala, o final é sempre gente. Isso que a gente veio fazer aqui, trazer uma vida melhor para a sociedade e para as pessoas do Brasil. Nelson Teich lembrou que a paralisação da economia porcausadasrestriçõesdecirculação necessárias para evitar um contágio mais rápido do vírus gera impacto também no sistema de saúde: — Tem que acompanhar também os indicadores sociais. Se tiver mais desemprego, pessoas que vão pero plano de saúde, isso vai impactar o SUS. (Vamos buscar a) Informação detalhada, com qualidade, bem avaliada e bem estruturada. E formação de equipe. Antes de encerrar, ele agradeceu a "tudo que já foi feito" pela equipe anterior, liderada por Mandetta.

O DAY AFTER DE MANDETTA

O ex-ministro também discursou. Mais tarde, ele contou ao GLOBO que recebeu na noite de quinta-feira, após a sua demissão, uma ligação do cerimonial do Palácio do Planalto com o convite para a posse de Teich. Do outro lado da linha, o interlocutor insistia que a presença de Mandetta iria colaborar para reduzir os ânimos da crise. Também lhe foi lembrado que, até hoje, apenas um ministro demitido pelo atual governo não compareceu à posse do sucessor, o ex-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno. Mandetta topou participar e, na sua fala, fez agradecimentos públicos ao presidente, com quem viveu em conflito ao longo dos últimos dois meses.

Após deixar o Planalto, o exministro foi almoçar com seus aliados de primeira ordem, o governador Ronaldo Caiado (GO) e o ex-deputado Abelardo Lupion (RS), ambos do DEM. O encontro, na casa de Lupion, foi para discutir o "day after" de Mandetta e seu papel no partido daqui em diante. Ele atendeu a ligação da reportagem após comer, enquanto tomava um mate gelado, tradição no Mato Grosso do Sul, seu estado, para onde pretende voltar hoje dirigindo o próprio carro. A viagem desde Brasília deve durar 12 horas se o ex-ministro não fizer longas paradas. Mandetta disse que deve evitar fazer comentários públicos sobre a gestão de Teich para evitar "interpretações dúbias". Ele fez uma avaliação do seu período de um ano e quatro meses no governo: — Nunca foi um fardo para mim. Nunca foi uma pressão. Eu gosto disso, adoro essa adrenalina. Eu sou cirurgião, trabalho na linha entre a vida e a morte. Gosto da adrenalina e não tenho problemas com crise. Longe do governo, Mandetta será uma espécie de conselheiro nacional no Democratas, partido ao qual é filiado. A legenda avaliou que o ex-ministro não deve participar de governos estaduais para tentar evitar interpretações de que teria usado o Ministério da Saúde para ajudar aliados. Além do governador Goiás, o de São Paulo, João Doria (PSDB), havia demonstrado interesse no "passe" do ex-ministro. Mandetta será "consultor" de governadores e prefeitos na crise, remunerado pela Fundação Liberdade e Cidadania, do DEM. O exdeputado Abelardo Lupion diz que é preciso que o colega tenha um salário para viajar pelo Brasil enquanto durar a pandemia.

"O foco é nas pessoas. Por mais que você fale em saúde, por mais que você fala em economia, não importa o que você fala, o final _ é sempre gente" "Decidi acompanhar diariamente a evolução em cada estado e município de como está a Covid-19 e outros problemas relacionados à saúde. Trabalhando com os estados, com os municípios, (para) que a gente consiga ter uma agilidade. Com tanta incerteza, você não consegue planejar muito na _ frente" Nelson Teich, ministro da Saúde