O globo, n. 31665, 17/04/2020. Opinião, p. 2

 

Mandetta sai, e o coronavírus permanece

17/04/2020

 

 

Não há lembrança da demissão de um ministro considerado eficiente, com mais de 75% de aprovação popular, e durante a fase de agravamento de uma crise cataclísmica no seu setor. A soma de ineditismos foi obtida ontem pelo presidente Bolsonaro ao confirmar o esperado afastamento do ortopedista Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, substituindo-o pelo oncologista Nelson Teich.

As circunstâncias colocam pesadas responsabilidades sobre o presidente e o novo ministro. Mesmo sem essas peculiaridades, não seriam leves.

Enquanto há a troca de ministros, a epidemia da Covid-19 já deixa no mundo 2,1 milhões de infectados e quase 145 mil mortos. No Brasil, 30.425 contaminados e 1.924 mortos. A crise está em rápida evolução e não admite paralisia na máquina de saúde do setor público, o que passa por uma articulação bem azeitada no âmbito do SUS, em que compartilham esforços União, estados e municípios, espaço que Luiz Henrique Mandetta demonstrou dominar. Nesta hora, não pode haver desencontros nesta articulação.

Mandetta se compromete a ajudar Teich na transição, com a colaboração de sua ex-equipe de servidores técnicos do Ministério da Saúde, comprovadamente capazes de dar um eficiente apoio a Nelson Teich. Além da evolução da doença, que está na fase inicial de expansão no país, há outros problemas. Dois deles, o tempo que passa e a defesa constante feita pelo presidente do relaxamento do isolamento social — principal motivo do desentendimento com Mandetta —, que cabe a Teich atender. Não há problema em defender o fim do distanciamento social, objetivo de todo país. A questão é quando e como.

O novo ministro apresentou-se com um reconfortante discurso técnico, depois de ser anunciado por Bolsonaro com um pronunciamento em que mais uma vez falou de sua preocupação com o desemprego, ou falta de trabalho, causado pelo isolamento.

O que deve ter levado Bolsonaro a escolher Teich, um dos ministeriáveis na época de formação do governo, foi explicado na exposição que o novo ministro fez de linhas de trabalho, em que defendeu a realização de testes e do levantamento de dados e “inteligência”, para a tomada de decisões corretas, em busca da volta à normalidade de “forma rápida”. Mas não abrupta.

Se houver alguma tensão entre Nelson Teich e o presidente, ela poderá surgir sobre o entendimento do que é esta “forma rápida”. O novo ministro, como a grande maioria dos médicos, é defensor do isolamento horizontal, excetuados os setores essenciais. A diferença, para o presidente, é que ele lhe entrega um plano de saída. Ou pelo menos assim entende Bolsonaro.

Não há muito tempo para adaptação de Teich ao cargo, nem de Bolsonaro ao novo ministro. O número de casos aumenta, e UTIs de hospitais públicos começam a ficar superlotadas de vítimas da Covid, o que tem relação com a política de isolamento social.