O globo, n. 31637, 20/03/2020. Mundo, p. 29

 

Crise diplomática

Eliane Oliveira

Filipe Barini

Camila Zarur

20/03/2020

 

 

Araújo pede ‘retratação’ e China volta a atacar Eduardo, mas poupa Bolsonaro

 Em meio à crise diplomática provocada por postagens feitas anteontem pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), nas quais ele dizia que a pandemia do novo coronavírus é “culpa da China”, a embaixada do país asiático em Brasília voltou a criticar o parlamentar ontem à noite, exigindo em comunicado que ele peça desculpa se que seja enquadrado pelo Itamaraty. A missão diplomática, porém, elogiou o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Henrique Mandetta.

“São absurdas e preconceituosas as suas palavras, além de irresponsáveis. Não vale a pena refutá-las. Aconselhamos que busque informações científicas e confiáveis nas fontes sérias como a OMS, úteis para ampliar a sua visão ”, publicou a missão diplomática no Twitter, em resposta a uma nota divulgada horas antes pelo deputado, dizendo que não pretendeu ofender o povo chinês, mas reiterando suas declarações sobre a pandemia.

Na mesma série de cinco mensagens, a embaixada buscou separar o filho do pai :“Sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil está combatendo a epidemia do coronavírus”. Já o embaixador chinês Yang Wanming, além de retuitar as mensagens da missão diplomática, saudou Mandetta como “um grande exemplo do Brasil em combate contra a pandemia coronavírus”.

PERPLEXIDADE

O aceno ao presidente pode ser interpretado como uma tentativa de circunscrever a crise ao deputado. Mais cedo, em nota divulgada pelo Twitter, o chanceler Ernesto Araújo havia atacado o embaixador Yang. Na nota, Araújo deu ênfase não às críticas que o diplomata fizera na véspera ao filho do presidente, mas ao fato de Yang e a Embaixada da China terem compartilhado um tuíte de apoio a Pequim que atacava também a família Bolsonaro, dizendo que ela é “o grande veneno deste país”. O retuíte, um dos vários feitos pelo embaixador e pela missão diplomática na crise, foi desfeito ainda anteontem.

“Já comuniquei ao embaixador da China a insatisfação do governo brasileiro com seu comportamento. Temos expectativa de uma retratação por sua postagem ofensiva ao chefe de Estado”, disse Araújo na nota. Segundo o chanceler, que tem em Eduardo o principal fiador de sua nomeação para o comando do Itamaraty, é “inaceitável” que Yang “endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil”.

O comunicado divulgado depois pela embaixada, porém,deixa claro não que a China não aceitou o argumento do chanceler, que, segundo O GLOBO apurou, chegou a conversar anteontem à noite com o chefe da missão chinesa. “Esperamos que o Itamaraty possa tomar ciência do grau de gravidade desse episódio e alertar o deputado Eduardo Bolso na roa to marmais cautela nos seus comportamentos e palavras, não fazer coisas que não condizem como seu estatuto, não falar coisas que prejudiquemo relacionamento bilateral ”, afirma o texto.

Acrise como maior parceiro comercial do Brasil gerou perplexidade em setores do próprio governo. Uma das avaliações é que o filho do presidente poderá atrapalhar um intenso esforço diplomático desenvolvido por Mandetta para que o país asiático forneça equipamentos hospitalares, como respiradores artificiais e máscaras, usados para a prevenção da Covid-19 e no tratamento de pessoas internadas em estado grave.

A China é um dos poucos países —talvez o único —que se oferece upara ajudar o Brasil na pandemia. Embora o governo brasileiro tenha reduzido aze roas tarifas de importação de luvas, máscaras, termômetros e respiradores artificiais ,48 nações produtoras proibiram a saída desses equipamentos, preocupadas em manter suas reservas.

Uma fonte ligada ao Palácio do Planalto lembrou que a atitude de Eduardo tema ver com sua aproximação coma extrema direita americana, que também vem acusando a China pela pandemia e falando em “vírus chinês”. A mesma fonte lembrou que o embaixador chinês fez gestões para que o Brasil furasse afila para repatriar os seus cidadãos d acidade de Wuhan, epicentro da epidemia.

Acrise começou na quarta feira, quando Eduardo Bolsonar o comparou o tratamento que a China deu à crise ao acidente no reator soviético de Chernobyl, em 1986: “Mais uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução”.

Horas depois, o embaixador chinês pediu que ele retirasse suas palavras “imediatamente”. Em sua resposta ontem, o deputado negou que chamar o novo coronavírus de “vírus chinês” tenha“o mínimo traço de xenofobia”. Ele disse que tal nomenclatura é normal,citando o exemplo da gripe espanhola. As hipóteses para o surgimento dessa gripe, porém, apontam para EUA, França ou Norte da China.