O globo, n. 31638, 21/03/2020. Opinião, p. 2

 

Situação sanitária em favelas é desafio no combate à epidemia

21/03/2020

 

 

O isolamento social tem se mostrado uma das armas mais poderosas para conter a pandemia do coronavírus. A China o adotou, conseguiu bons resultados, e agora praticamente todos os países, especialmente os que se encontram em situação dramática, como a Itália, seguem o mesmo caminho. No Brasil, onde o número de casos começa a acelerar, pondo em risco a capacidade do sistema de saúde, público e privado, de atender aos casos mais graves, não tem sido diferente. Acertadamente, governadores e prefeitos têm determinado uma série de medidas para restringir aglomerações, fechando cinemas, teatros, shoppings, áreas de lazer, esvaziando transportes públicos, restringindo o funcionamento de bares e restaurantes e recomendando que as pessoas permaneçam em casa. Mas, nessa luta contra o novo vírus (Sars-CoV-2), um desafio se impõe ao país: como levar as regras da cidade formal às favelas, erguidas de maneira desordenada e negligenciadas pelo poder público. Áreas desprovidas de saneamento, sem espaço entre as casas, com ventilação precária e altos índices de doenças como a tuberculose — na Rocinha, em 2019, foram cerca de 200 casos por cem mil habitantes, quase cinco vezes a média do país —evidenciam as fraturas das cidades partidas. Na verdade, a epidemia do novo coronavírus expõe de forma contundente uma realidade que há décadas o país ignora, apesar de seus números expressivos, que não param de crescer. Segundo o Censo 2010, 11,4 milhões de brasileiros moram em favelas. Na cidade do Rio, são 1,5 milhão de pessoas, o que representa 22% dos moradores, o dobro do percentual de São Paulo. Em Belém (PA), mais da metade da população (54,5%) vive em comunidades. O depoimento de uma moradora da Rocinha ao GLOBO traduz a dimensão do problema: "Moro numa casa muito pequena. Se alguém ficar doente, todos ficam". Além das moradias empilhadas, coladas umas às outras, contribuindo para um ambiente insalubre e fértil para a disseminação da Covid-19, acrescentem-se as deficiências do sistema de saúde. Levantamento da Câmara de Vereadores mostra que a cobertura do Programa Saúde da Família, que já foi de 70%, caiu a 53%. Outro problema é a precariedade dos serviços básicos. No Complexo do Alemão,segundo o G1,moradores têm enfrentado falta d' água, o que os impede de cumprir protocolos de higiene, essenciais no combate ao coronavírus. O fato é que nas comunidades do Rio e de todo o país, ao grave problema de saúde pública trazido pelo coronavírus, somam-se outros, (...)