O globo, n. 31638, 21/03/2020. Especial Coronavírus, p. 12

 

Senado em home office

Isabella Macedo

21/03/2020

 

 

Primeira sessão virtual supera falhas de conexão 

A pandemia do coronavírus obrigou os senadores a trocarem a tribuna do plenário por um celular ou computador na sala de suas casas. Ontem, depois de 196 anos de história, o Senado fez sua primeira votação remota, para aprovar com urgência o decreto que reconheceu estado de calamidade pública no país. Criada pelo setor de tecnologia da Casa, a plataforma experimental teve poucas falhas, garantiu a votação —e o discurso político —de 75 dos 81 senadores.

A estreia da plataforma era prevista para a próxima semana, quando os técnicos haviam garantido à direção da Casa que terminariam os ajustes para colocar o sistema no ar. Para garantir mais investimento para o enfrentamento do coronavírus, no entanto, o decreto de calamidade pública exigia mais urgência.

Os técnicos conseguiram e, às 11h de ontem, o presidente em exercício da Casa, Antonio Anastasia (PSDMG), começou uma espécie de teleconferência com os outros colegas. Anastasia substitui o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos três senadores que foram diagnosticados com o coronavírus. Ele, Nelsinho Trad (PSD-MS) e Prisco Bezerra (PSD-CE) estão isolados.

A confirmação do caso deles acendeu o alerta no Senado. Há 39 senadores com mais de 60 anos —idade com maior risco para infectados pelo Covid-19. Anastasia presidiu a sessão no prédio do Prodasen, setor de tecnologia do Senado, acompanhado do relator do decreto legislativo, Weverton Rocha (PDT-MA). Na frente deles, um telão exibia o rosto dos colegas online, divididos em pequenos quadrados. No início, houve um problema com o som transmitido para os senadores conectados, mas a falha logo foi corrigida. O mineiro pediu a paciência dos colegas:

—Eu conto com a compreensão de todos porque estamos fazendo um esforço único, e nesse momento, nessa sessão de hoje, inclusive por seu caráter de urgência e pela natureza do decreto a ser votado. Eu pediria a todos a compreensão e a paciência por eventuais equívocos que possam ser cometidos e possíveis falhas técnicas como essa há pouco ocorrida da questão da voz que era ouvida pela TV, mas não pelos senadores.

Nós vamos fazendo uma sintonia fina ao longo desse processo. Alguns senadores tiveram dificuldade de conexão e houve uma segunda chamada para que todos os 75 conectados pudessem declarar seus votos. Quatro senadores precisaram participar por chamada telefônica. Kátia Abreu (PDT-TO) foi a primeira a votar por ligação e anunciou que estava a caminho de Palmas, dirigindo de Brasília até a capital de seu estado, para evitar a malha aérea.

QUATRO HORAS DE SESSÃO

A votação não só deu certo, como também deu tempo de os senadores fazerem uma das atividades do mandato que mais apreciam: discurso político. Foram mais de quatro horas de sessão. Depois de votarem, eles puderam revezar nos pronunciamentos, desde que todos fossem sobre o coronavírus. Uma regra subjetiva. Ao falar sobre o momento, as inovações impostas pela pandemia, o senador Major Olímpio (PSL-SP), por exemplo, achou oportuno cobrar a votação do projeto que prevê

a prisão imediata de condenados em segunda instância. Emocionados com o sucesso da operação, o secretário geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira, e a diretora da Casa, Ilana Trombka, agradeceram os servidores. Ilana mandou um áudio chorando aos colegas, dizendo-se feliz por participar do momento histórico. A partir da semana que vem, as sessões online devem fazer parte da rotina do Senado.

Comissões também devem usá-las. Na Câmara, um sistema parecido também será testado. Segundo o comando das duas Casas, a ideia é se dedicar a projetos e medidas que tratem especificamente do coronavírus. Já havia uma discussão sobre votações remotas no Congresso e, por isso, a área de tecnologia já fazia estudos sobre a implantação. Isso permitiu o desenvolvimento mais rápido da plataforma. O tema começou a ser debatido durante a greve dos caminhoneiros em 2017, quando havia o temor de os parlamentares não chegarem em Brasília.

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Com cúpula isolada, uma República ativa pelo celular

Thais Arbex

Carolina Brígido

21/03/2020

 

 

Em recolhimento forçado, presidentes do Congresso e do STF mudam hábitos em casa para trabalhar e ter contato com colegas 

O avanço da pandemia do coronavírus no país se tornou um desafio para chefes de Poderes. Isolados, eles têm atuado pelo celular. Diagnosticado com o novo coronavírus, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), montou um QG na residência oficial para garantir os trabalhos do Congresso enquanto ele estiver cumprindo o período de quarentena por conta da doença. Alcolumbre disse que o funcionamento do Parlamento será mantido “independentemente do que aconteça”.

— Sigo de casa, em isolamento total, mas confiante 100% na recuperação, acompanhando tudo pelo telefone e posso afirmar que sairemos maiores depois dessa crise — afirmou Alcolumbre, por mensagem, ao GLOBO. Isolado em um dos quartos do imóvel no Lago Sul, em Brasília, Alcolumbre tem intercalado o dia entre repouso e atividade parlamentar. A televisão fica o tempo todo sintonizada em canais de notícias, o computador ligado e o celular sempre carregado.

Segundo aliados, Alcolumbre tem mantido contato constante com senadores. O mais acionado é o senador Antônio Anastasia (PSDMG), primeiro vice-presidente da Casa. Eles costumam se falar, pelo menos, a cada duas ou três horas. Foi à distância que Alcolumbre organizou e acompanhou a primeira sessão remota da história do Senado, que ontem aprovou o decreto que reconhece estado de calamidade pública. Na véspera da votação, acompanhou os testes do sistema e telefonou ou mandou mensagens a todos os líderes, pedindo para mobilizar os colegas para a votação. Durante a sessão, o senador cogitou fazer uma rápida fala inicial, mas decidiu se poupar. Um dos sintomas da doença, em seu caso, tem sido a falta de voz.

O presidente do Senado também tem sofrido com dores de cabeça e tosse. Alcolumbre também criou uma espécie de centro de controle informal de exames dos colegas de Parlamento, com atenção especial a Nelsinho Trad (PSDMS) e Prisco Bezerra (PDTCE), diagnosticados com coronavírus. O pano de fundo é, além da preocupação com a saúde dos pares, o temor de que a doença atinja muitos parlamentares a ponto de impedir o funcionamento do Congresso.

— Apesar da epidemia, daremos um jeito para que às matérias no Congresso avancem —disse Alcolumbre. O diagnóstico positivo de Alcolumbre para o novo coronavírus acabou impondo quarenta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. O ministro está em isolamento desde a última quarta-feira, quando soube que o presidente do Senado testou positivo para o vírus. Na segunda-feira, ambos participaram de uma reunião para debater medidas de contenção da pandemia. No local, também estavam outros ministros do Supremo e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

— A partir do momento em que saiu resultado do presidente do Senado, nós encerramos a sessão do Supremo, e de lá eu vim pra residência e cumpri recomendações médicas de isolamento — afirmou Toffoli ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes. Toffoli informou que fará o teste nos próximos dias. Ele contou que está isolado em casa, sem contato direto com a filha e a funcionária que trabalha no local.

— Estou almoçando em casa, eu mesmo lavo minha louça, limpo meu quarto, estou tomando as precauções. Optei por não fazer exame ainda, porque se tem notícia que no começo o exame dá negativo, pessoa se sente à vontade pra sair de casa —explicou. O ministro disse que segue trabalhando:

—Hoje temos tecnologia, o Supremo é 100% informatizado, ontem despachei mais de 900 processos do computador da minha casa. Se faço exame que não seria o verdadeiro, estou queimando um kit, que está escasso. Daqui uns dias, faço o exame. Embora os ministros do Supremo estejam todos trabalhando de casa, a assessoria de imprensa do STF informou que não há registro de outro que esteja em regime de isolamento. Os gabinetes de Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso informaram que eles não tiveram contato direto com pessoas contaminadas e não apresentaram qualquer sintoma da doença.

— Não tenho nenhum sintoma e estou me sentindo muito bem. Não me isolei, apenas estou trabalhando de casa. Estou tomando as mesmas precauções que todo mundo. Normalmente, eu daria aula no Rio hoje. Não fui porque a UERJ está fechada e porque há uma recomendação das autoridades sanitárias de se evitar viagens — declarou Barroso ao GLOBO.