O globo, n. 31638, 21/03/2020. Mundo, p. 34

 

O PIB desaba e o governo erra

Míriam Leitão

21/03/2020

 

 

Apenas nove dias depois de ter revisto o crescimento do PIB para 2,1%, o Ministério da Economia fez nova revisão para zero. Isso mostra a rapidez dos acontecimentos e a lentidão das projeções do próprio . O número 0,02%, desenhado assim para não entrar no negativo, será sem dúvida revisto novamente. O país está entrando em recessão e o ano de 2020 terminará com o encolhimento do PIB. A torcida é para que haja capacidade de mitigar a queda. Essa revisão para 0,02% significa que pelo menos R$ 70 bilhões de receita não entrarão nos cofres públicos. Ao mesmo tempo o Tesouro precisará gastar muito mais, num valor que ainda não foi quantificado. Mas se, por hipótese, numa projeção otimista, ele tiver uma despesa extra de 1% do PIB para enfrentar a crise, o déficit que estava previsto em R$ 124 bilhões vai superar R$ 260 bilhões. O mais urgente agora é evitar o colapso do sistema de saúde, e proteger todo um vasto contingente de brasileiros que está ficando sem capacidade de geração de renda. O   continuou errando ontem. No mundo os governos tomam medidas cada vez mais duras e ele usou ontem a palavra “gripezinha” para definir o coronavírus e de novo brigou com governadores. Não faz sentido que numa crise deste tamanho o  da República se preocupe com picuinhas ou entre em competição com os líderes dos entes subnacionais, que tenham que escrever cartas ao .  deveria estar liderando, deveria estar desobstruindo os canais de diálogo, deveria ter entendido o que o mundo inteiro está dizendo: estamos diante de uma crise sem precedentes.

Se já não bastassem os problemas que não resolve, ainda há os que a família do  cria,como esta extemporânea  crise com a China inventada pelo deputado Eduardo , pela incontinência verbal que todos eles têm na rede social. A China é destino de R$ 65 bilhões das nossas exportações, é origem de

R$ 35 bilhões de importações, é o país com quem o Ministério da Saúde estava negociando o fornecimento de equipamentos médicos e hospitalares fundamentais nesse momento. E o ministro das Relações Exteriores ainda ecoou o deputado para deixar mais uma vez clara a subserviência do outrora competente Itamaraty a um parlamentar sem a qualificação mínima para a diplomacia.

No mercado financeiro, todos os bancos e as consultorias estão nesse momento revendo seus modelos e divulgando números cada vez mais negativos. Ontem, o Itaú fez uma forte revisão do cenário. A projeção de (...) disse que talvez fosse menor. Mas não tem novo número. O Itaú está prevendo uma recuperação rápida no ano que vem. Ele revisou a projeção de 2021 de 3,3% para 5,5%, num cenário de que a crise seria forte, mas passageira. O economista Márcio Garcia prefere fugir dos números e dizer uma frase, numa entrevista à coluna, que define melhor esse momento do que os modelos dos bancos. —Se alguém souber o que está acontecendo ou é desinformado ou está delirando. Na entrevista que me concedeu, Armínio Fraga foi taxativo em falar, antes que o  admitisse pedir isso, que deveria ser utilizada a possibilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal de decretar estado de calamidade. Em conversa esta semana com a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute, ela me disse que a recessão está dada, e que agora é necessário evitar a depressão. Na entrevista que concedeu ao “Valor”, o economista Ricardo Paes de Barros disse o seguinte: “esquece o teto de gastos, numa crise como essa, o teto é uma piada”. Em outra parte de sua excelente entrevista a Bruno Villas Bôas, ele avisou: “não podemos pensar que essa é uma pequena crise que vai passar rápido. Em certo sentido é como se estivéssemos entrando em uma grande guerra”.

Como a curva do crescimento dos infectados pelo coronavírus, a da crise econômica pode ser atenuada dependendo da rapidez da resposta. E não basta uma live com a Fiesp. A qualidade da resposta depende da compreensão da gravidade do problema. O mais assustador é que os cadastros do  não têm registro de todas as famílias que precisarão do socorro do Estado. (...)