Correio braziliense, n. 20800 , 04/05/2020. Política, p.2/3

 

Bolsonaro ao Brasil: "Acabou a paciência"

Sarah Teófilo

04/05/2020

 

 

DEMOCRACIA AMEAÇADA » Em apoio a manifestação claramente antidemocrática, o presidente da República afirma que tem o apoio das Forças Armadas e que não tolera mais “interferência” em seu governo. Fanáticos agridem profissionais de imprensa e atacam Congresso e Supremo

O presidente da República Jair Bolsonaro deixou claro, ontem, que está disposto a elevar a tensão institucional no Brasil. Para atingir esse fim, ele conta com o extremismo de apoiadores que defendem o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e agridem profissionais de imprensa. Ao comparecer em uma manifestação a seu favor e contra as demais instituições democráticas, Bolsonaro disse, na rampa do Palácio do Planalto, que não vai mais aceitar o que chamou de “interferência” e exigiu uma “independência verdadeira” entre os poderes. “Não vamos mais admitir interferência. Deixar bem claro isso aí. Acabou a paciência”, afirmou. Ao final do vídeo, transmitido em uma rede social, depois de interagir com manifestantes, o presidente frisou ter o apoio do povo e das Forças Armadas e disse que havia chegado “no limite”.

“O povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade, também estão ao nosso lado, e Deus acima de tudo. Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não tenhamos problema essa semana, porque chegamos no limite. Não tem mais conversa, ok? Daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição. Ela será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla mão, não é a mão de um lado só”, advertiu o presidente da República. Ele também anunciou que nomearia, hoje, o novo diretor-geral da Polícia Federal (PF).

A ira do presidente dirige-se ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem na direção da PF na última quarta-feira, dia previsto para a posse. O magistrado entendeu que a nomeação fere os princípios de impessoalidade, da moralidade e do interesse público. A decisão de Moraes veio após exoneração do ex-diretor Maurício Valeixo e o pedido de demissão do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que saiu do governo acusando o presidente de interferências políticas na PF.

Conversa com militares

O presidente estava com deputados, apoiadores e familiares, como sua filha mais nova, Laura, e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Estavam todos sem máscara. Em frente ao Palácio do Planalto, dezenas de manifestantes exibiam faixas favoráveis a uma intervenção militar — crime previsto na Constituição Federal — e ataques a Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e ao Supremo Tribunal Federal.

Segundo o Estado de S. Paulo, oficiais-generais influentes avaliaram que o presidente Jair Bolsonaro tentou fazer uso político do capital das Forças Armadas. Ao afirmar que a caserna estava com o governo, ele partiu para “pressões” e “ameaças dissuasórias” que provocaram novo incômodo no setor. “Ninguém apoia aventura nenhuma, pode desmontar essa tese. Estamos no século 21”, resumiu uma das fontes ao jornal.

No último sábado, véspera dos ato antidemocrático na frente do Planalto, Bolsonaro teve uma reunião de pelo menos 1h30 com os comandantes da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior; do Exército, general Edson Leal Pujol; e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez. Também estavam presentes o ministros Braga Netto (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa), Luiz Eduardo  Ramos (Secretaria de Governo da Presidência da República) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República).

Segundo informações do Estadão, após uma discussão sobre a atuação de Alexandre de Moraes, os ministros e comandantes militares teriam saído do encontro do Alvorada certos de uma “pacificação” por parte de Bolsonaro. Mas, na avaliação das fontes citadas pelo jornal, ele teria sido “envenenado” na manhã de ontem por pessoas próximas e grupos de WhatsApp.

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Imprensa é agredida e precisa de escolta policial

04/05/2020

 

 

No dia mundial da liberdade de imprensa, profissionais foram agredidos durante a manifestação em favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um repórter fotográfico do Estado de São Paulo foi agredido com chutes e socos. Equipe da Folha de S. Paulo relatou empurrões e ofensas verbais. Um repórter do site Poder 360 levou um chute e foi hostilizado. O repórter fotográfico Orlando Brito, de 70 anos e mais de 54 anos de carreira, também foi agredido enquanto trabalhava pelo site Os Divergentes.

No momento em que as agressões ocorriam, uma pessoa informou ao presidente: “Pessoal está expulsando os repórteres”, como pôde ser ouvido em transmissão ao vivo no Facebook do presidente. Bolsonaro, então, afirmou: “Pessoal da Globo vem aqui para pegar um cara ou outro e falar besteira. Essa TV foi longe demais. A Globo foi longe demais”, disse, dizendo que o movimento se tratava de uma “manifestação popular” com “pessoas do bem, chefes de família”.

O repórter fotográfico Dida Sampaio e o motorista Marcos Pereira, ambos do Estadão, foram agredidos fisicamente, enquanto os repórteres Júlia Lindner e André Borges foram insultados. Um repórter da Folha de S. Paulo foi empurrado e outro do site Poder 360, segundo informações da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), foi agredido com um chute.

Rasteira e ofensas

Dida Sampaio estava sobre uma pequena escada para fotografar o presidente em frente à rampa do Palácio, em uma área restrita à imprensa. Ele foi empurrado por manifestantes, que também o chutaram e deram socos no profissional. Já o motorista foi agredido com uma rasteira.

Os profissionais de imprensa deixaram o local escoltados pela Polícia Militar. Segundo nota divulgada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), “as ameaças não pararam: até quando os profissionais estavam dentro da viatura, apoiadores do presidente batiam no vidro do carro”. A associação afirmou que as “agressões são incentivadas pelo comportamento e pelo discurso do presidente”. “A deterioração da liberdade de imprensa, fomentada por autoridades eleitas e servidores públicos, é um risco grave para a democracia”, advertiu.

Outras entidades manifestaram repúdio às agressões, como o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Políticos e partidos também criticaram as ações dos manifestantes, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC), e os partidos PSDB e MDB.

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Repúdio a ato e a agressões

Luiz Calcagno

Renato Souza

04/05/2020

 

 

Autoridades e entidades reprovam manifestação hostil ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal e condenam ataques contra jornalistas

Entidades e autoridades repudiaram a manifestação de ontem, na Esplanada dos Ministérios, a favor do governo e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).  Durante o ato, equipes de reportagem foram agredidas física e verbalmente.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, afirmou que as manifestações que ocorreram na Esplanada e pediram o fechamento do Supremo e do Congresso Nacional estão “dentro da democracia”, mas é necessário protestar dentro da legalidade. “Alguns pediam, inclusive, o fechamento do Congresso e do Supremo. Devo dizer que considero essas manifestações um exercício da liberdade de expressão dentro de uma democracia... Nessa manifestação, houve agressões a jornalistas. Aí, a questão muda de figura. Não são mais manifestantes, são criminosos”, acusou, em entrevista à Globonews.

Barroso também comentou declarações do presidente Jair Bolsonaro de que as Forças Armadas estão do lado do governo. “A mim, pessoalmente, só me preocupou uma coisa: a invocação de que as Forças Armadas apoiavam o governo. Acho que esse é um fato que traz algum grau de preocupação. As Forças Armadas são instituições do Estado, subordinadas à Constituição e, portanto, não estão dentro de governo, não estão vinculadas a governo algum”, argumentou.

A ministra Cármen Lúcia, também do STF, criticou a transgressão à liberdade de imprensa. “É inaceitável, é inexplicável que ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel de um profissional da imprensa é o papel que garante, a cada um de nós, poder ser livre”, destacou. Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes frisou que agressões contra jornalistas devem ser repudiadas “pela covardia do ato e pelo ferimento à democracia e ao Estado de direito”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiu por meio de redes sociais. “No Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade. O caminho será mais duro, mas a democracia e os brasileiros que querem paz vencerão”, escreveu. Ele afirmou que os agressores devem responder judicialmente e lembrou que, um dia antes, bolsonaristas atacaram profissionais de enfermagem na Praça dos Três Poderes. “Ontem, enfermeiras ameaçadas. Hoje (ontem), jornalistas agredidos. Amanhã, qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror.”

Moro

Ex-aliado e agora desafeto de Bolsonaro, Sergio Moro também manifestou-se. “Democracia, liberdades — inclusive de expressão e de imprensa —, Estado de direito, integridade e tolerância caminham juntos, e não separados”, postou.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou os ataques. “Tais agressões são incentivadas pelo comportamento e pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro. Seus ataques aos meios de comunicação, teorias conspiratórias e comportamento ofensivo fomentam um clima de hostilidade à imprensa”, diz o comunicado. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também mostrou repúdio. “Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa.”