Correio braziliense, n. 20800 , 04/05/2020. Brasil, p.5

 

País chega a 101 mil casos em 9 semanas

Sarah Teófilo

04/05/2020

 

 

O Brasil chegou, ontem, à marca de 101.147 pessoas infectadas pelo novo coronavírus, nove semanas e quatro dias após o registro oficial do primeiro caso. O país teve também 7.025 óbitos confirmados pelo governo federal. O ministro da Saúde, Nelson Teich, chegou, ontem, ao Amazonas, quinto estado com maior quantidade de mortes e unidade da Federação onde o sistema de saúde entrou em colapso. À noite, ao lado do governador Wilson Silva (PSC) e do secretário-executivo do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello, o ministro afirmou que o governo mapeia o Brasil inteiro de forma detalhada e consegue antecipar locais onde possivelmente a doença deve crescer. “A gente vai intervir precocemente para evitar que danos maiores aconteçam”, disse.

No país, a situação se agrava. Em São Paulo, apesar de ser o epicentro da doença, a taxa de isolamento social caiu de 56% para 53% no último sábado. Na cidade do Rio de Janeiro, capital do segundo estado no ranking de mortes e contaminações, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) disse que esta semana deve ser a pior desde o início de registros de casos no município. O prefeito admitiu um aumento de casos, mas ainda faltam equipamentos, e pontuou que aguardava ajuda de outros entes, o que não ocorreu. “Esta semana é a que mais nos preocupa. Porque se acelerou o número de contágios e as pessoas precisando dos hospitais. Nós aguardávamos, já há bastante tempo, ajuda de outros entes, o que, até agora, não ocorreu. Nós tivemos uma notícia de que o estado não está, neste momento, conseguindo os equipamentos necessários. E os nossos só chegam durante esta semana. Esta semana, para nós, talvez seja a mais decisiva, a mais difícil, a mais angustiante”, disse Crivella.

 

Pandemia

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia de coronavírus no dia 11 de março. No dia 15, atos pró-Bolsonaro e contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) aconteceram em várias capitais do Brasil. Em Brasília, o presidente ignorou as orientações de isolamento social e compareceu à manifestação, que se aglomerou na porta do Palácio do Planalto. Bolsonaro desceu a rampa, interagiu com apoiadores, tocando-os e tirando fotos. Naquela data, o Brasil tinha 200 casos de coronavírus e nenhuma morte.

Segundo a atualização dos dados da Covid-19 divulgada ontem, os cinco estados com mais casos e óbitos continuam sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas. Juntos, eles concentram 78,4% dos óbitos e 65,8% dos casos. A taxa de letalidade da doença é de 6,9%.

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Politização dificulta isolamento seletivo

Bruna Lima

04/05/2020

 

 

A falta de orientações sólidas quanto às medidas de isolamento social tem dividido a população, diminuído a obediência e facilitado a transmissão do novo coronavírus. Enquanto discursos politizados competem com a situação emergencial de saúde, o Brasil vivencia uma drástica escalada no número de novos casos e mortes. Em meio ao ruído de opiniões, gestores, especialistas e autoridades se concentram em avaliar quando e como fazer o chamado distanciamento social seletivo.

Mensagens trocadas ainda marcam o discurso nacional. Na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o isolamento social adotado por governadores e prefeitos é “inútil”. No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reprovou a querela entre autoridades. “Enquanto entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, é a população que sofre. A população quer um norte seguro”, disse.

O médico sanitarista e professor da FGV Adriano Massuda critica a postura demagógica que tende a menosprezar o risco da doença e focar na economia. A disputa pelo comando da técnica, para ele, cria conflitos, fazendo com que a população se confunda e não respeite o isolamento, passando a escolher lados. “O Brasil acertou em antecipar as medidas de distanciamento. Mas, a falha de coordenação acabou tendo um efeito reverso. Como a curva estava sendo achatada, a interpretação foi de que não se precisa manter as medidas. É justamente o contrário. Tomar medidas de relaxamento, em franco crescimento, é, no mínimo, irresponsável”, avalia Massuda.

No campo da política, gestores brasileiros tentam avaliar o melhor momento para se restringir ou afrouxar o distanciamento social. Em São José dos Campos (SP), o prefeito Felicio Ramuth (PSD) chegou a anunciar a adoção do isolamento seletivo, com retorno das atividades comerciais não essenciais (shoppings e comércio de rua). No entanto, o Ministério Público protocolou uma ação pedindo a suspensão da abertura, com a alegação de que a medida contraria o decreto do governador João Doria (PSDB) de estender a quarentena estadual até 11 de maio.

No caso do Distrito Federal, o adiamento da reabertura partiu do próprio governador Ibaneis Rocha (MDB). Depois de anunciar que atividades comerciais retornariam esta semana, ele voltou atrás, entendendo que os estabelecimentos estavam com dificuldade de atender às exigências para o retorno, como testagem e compra de equipamentos de proteção individual. O retorno das aulas nas escolas militarizadas também chegou a ser discutido junto ao presidente Jair Bolsonaro, mas Ibaneis recuou.

Falsa impressão

Para o sanitarista da Fiocruz Claudio Maierovitch, é necessário estabilizar os casos para depois se falar em afrouxamento, ação que tende a aumentar as taxas de transmissão. “Existe autonomia em cada estado e município, mas hoje a realidade das grandes cidades é muito semelhante. Várias têm capacidade de internação já superadas, e outras seguem o mesmo caminho. Gestores de saúde se articulam para dar conta da demanda”, justifica.

Nesses casos, abrir tipos de comércio que, em tese, não provocariam aglomeração, causa uma falsa impressão de que não há aumento dos riscos de infecção. “Quando se ativa qualquer tipo de ramo, significa mais gente no transporte público, mais necessidade de limpeza, de manter vigilância. Cada pequeno passo que se dá tem um aumento em cadeia e isso significa atrair pessoas para a rua”, alerta Maierovitch.

Questionado sobre a conexão entre o afrouxamento das medidas e o aumento de infectados, o ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou que “é difícil estabelecer uma relação de causa e efeito”, disse. Para balizar as decisões de relaxamento, o Ministério da Saúde elabora uma diretriz aos estados e municípios, elencando as periodicidades e critérios necessários para se avançar o processo de flexibilização. Os técnicos levam em conta a estabilização ou declínio de transmissão, a capacidade de atendimento hospitalar e o fluxo da população. Mas, o isolamento continua como a orientação geral. “Neste momento, temos uma definição clara: o distanciamento permanece como orientação”, afirmou Teich, na quinta-feira, levando em conta a tendência de crescimento de casos e mortes pela Covid-19.

O isolamento seletivo também precisa ser avaliado em um contexto regional. Enquanto determinado estado ou município comece a autorizar o funcionamento de alguns serviços, é possível que outro decrete lockdown. O ministro da Saúde, Nelson Teich, já ressaltou a importância das realidades regionais. “Em algum momento vamos ter que flexibilizar. Quando isso acontecer, temos que ter a calma necessária porque pode ser que se tenha que voltar atrás. Tem que ser feito com absoluta serenidade, senão vai virar uma guerra. Isso não pode acontecer.”

Em quarentena

Entenda os diferentes tipos de isolamento

Distanciamento Social Seletivo (DSS) – Ficam isolados apenas grupos de risco como idosos, obesos, diabéticos e cardiopatas; além de casos suspeitos. Pessoas abaixo de 60 anos podem circular livremente, se não apresentarem sintomas da doença.

Distanciamento Social Ampliado (DSA) – Todos os grupos da sociedade devem permanecer isolados para evitar uma aceleração descontrolada da doença.

Bloqueio Total (Lockdown) – Todos os grupos da sociedade permanecem reclusos e há um perímetro de segurança na região onde foram identificados casos da doença. Não é permitido entrar ou sair da área isolada.