O Estado de São Paulo, n.46202, 16/04/2020. Espaço Aberto, p.A2

 

Hora de boas ações, não de pânico

Ruy Altenfelder Silva

Humberto Casagrande

16/04/2020

 

 

Logo atrás da preservação da saúde – sem dúvida, a primeira preocupação durante a pandemia da covid-19 – vem a questão do emprego, que está estreitamente ligada às condições para a sobrevivência das empresas e a preservação, ao máximo, da capacidade de investimentos públicos, como alavanca da recuperação da economia. Nesse sentido, os três níveis da administração pública foram mobilizados, com a oferta de auxílio financeiro às empresas, em especial às pequenas e micro, além de alteração temporária nas normas que regem as relações trabalhistas, entre outras medidas.

Tais providências visam não apenas a manter o nível atual de empregos, mas também a tornar viável a criação de novas vagas, necessárias quando a situação voltar à normalidade. A reflexão sobre o segundo objetivo indica que o mercado de trabalho deverá absorver, além dos profissionais que perderem o emprego, o grande contingente de jovens que todos os meses buscam uma oportunidade de inclusão no mundo do trabalho. Outro ponto que merece destaque nesse olhar sobre o futuro das novas gerações é a importância de que, já a partir de agora, elas possam contar com uma renda para auxiliar a família e, ao mesmo tempo, ganhar capacitação e experiência para se manterem efetivados no pós-crise.

Instituição de assistência social dedicada a promover o acesso ao primeiro emprego sem prejuízo do estudo escolar, com 56 anos de atuação, o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) debruçou-se sobre esse desafio com o objetivo de identificar propostas de solução, a partir da utilização e do respeito aos instrumentos legais que disciplinam os programas de inserção socioprofissional dos jovens. Uma das conclusões demonstra que a Lei da Aprendizagem (n.º 10.097/2000) – com bons resultados apresentados desde o início de sua vigência, há 20 anos – tem forte potencial para se transformar numa das medidas de enfrentamento da crise, bastando para isso alguns ajustes de caráter emergencial.

A proposta é simples e de fácil implementação. Pela lei, os aprendizes devem ser contratados pelo prazo máximo de dois anos, recebendo como remuneração um salário mínimo proporcional às horas trabalhadas, o que resulta num custo total de R$ 30 mil por aprendiz, somados os 24 meses contratuais. A sugestão é que o governo federal divida esse custo com as pequenas e médias empresas. Ou seja, que assuma o pagamento de metade do salário do jovem, investindo R$ 625 por mês em cada aprendiz, o mesmo valor que será despendido pela empresa como remuneração, o que seria de grande ajuda para famílias de baixa renda.

Para dar ideia da rapidez de implementação desse plano emergencial, a mobilização de todas as entidades credenciadas como capacitadoras pelo Ministério do Trabalho permitiria recrutar em, no máximo, 30 dias um contingente de 300 mil jovens. Eles fariam os cursos obrigatórios de capacitação teórica à distância durante 60 dias, com carga horária diária de seis horas. Após esse período passariam a atuar nas empresas, sem necessidade de se afastar para participarem dos encontros teóricos durante seis meses. No restante da vigência do contrato voltariam ao sistema previsto em lei: 20% do tempo dedicado à capacitação teórica (metade presencial e metade à distância) e 80% à atuação nas organizações contratantes.

Ao levar emprego e renda de forma sustentável para os jovens, o programa traria vários efeitos positivos. Entre eles, fomentaria o consumo de bens e serviços pelas famílias (e, consequentemente, a arrecadação), reduziria a evasão escolar (evitando o abandono das aulas para buscar recursos em ocupação informais e até ilegais) e contribuiria para a redução dos índices de criminalidade entre os jovens.

Às pequenas e médias empresas – consideradas as mais prejudicadas pela crise – traria a vantagem de permitir o cumprimento das cotas de aprendizagem, de forma a evitar multas e outros problemas com a fiscalização. Igualmente relevante, elas também disporiam, durante e após a pandemia, de mão de obra capacitada a custo mais atraente para tocar seus negócios, usando a energia e disposição próprias dos jovens trabalhadores. O estudo do Ciee contempla os pontos da lei, segundo a qual as empresas devem cumprir cotas de aprendizes, contratando jovens pela CLT para formação teórica e prática, alinhada à área de atuação, e complementada por ações voltadas para o desenvolvimento pessoal, estudantil e profissional, algumas das quais estendidas às famílias.

Com custo máximo de R$ 187 milhões por mês para assegurar a empregabilidade de 300 mil jovens, a proposta emergencial de utilização da Lei de Aprendizagem se insere no conjunto de contribuições oferecidas por órgãos governamentais, empresas, entidades filantrópicas e demais setores da sociedade, que reconhecem a gravidade do momento, mas se recusam a se deixar abater pelo pânico. Ao contrário, confiam que a soma de ações efetivas levará à superação desta nova crise, utilizando como armas a força, a solidariedade e o espírito de inovação dos brasileiros, em especial dos jovens.

PRESIDENTE EMÉRITO E SUPERINTENDENTE DO CIEE