Correio braziliense, n. 20800 , 06/05/2020. Política, p.2/3

 

Obsessão de Bolsonaro era a PF no Rio

Renato Souza

06/04/2020

 

 

PODER » No depoimento à PF, revelado ontem, Moro disse que o presidente pressionava para definir o dirigente da superintendência carioca da corporação e insistia por acesso a dados sigilosos. Ex-juiz afirmou que só o chefe do Executivo pode explicar motivo de pressões

Em depoimento prestado à Polícia Federal no último sábado, que teve seu conteúdo integral divulgado ontem, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro reafirmou as acusações que fez contra o presidente Jair Bolsonaro e deu detalhes da pressão que teria sofrido para promover alterações na estrutura da corporação. Em frente a dois delegados e três procuradores, o ex-juiz disse que recebeu, mais de uma vez, pedido do chefe do Planalto para que o delegado Carlos Henrique Oliveira fosse retirado da chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro. Durante a oitiva, o ex-magistrado afirmou não saber quais eram as intenções do presidente, mas ressaltou que existia tentativa de interferir na instituição.

De acordo com Moro, as pressões para trocar o comando da PF no Rio ocorriam desde janeiro. O ex-juiz relatou que estava em Washington com o delegado Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF, em março deste ano, quando recebeu a mensagem de Bolsonaro por WhatsApp. “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, teria escrito o presidente. O arquivo da conversa foi entregue para a PF no mesmo dia do depoimento, com áudios, fotos e vídeos. De acordo com o ex-ministro, ele e o delegado Valeixo pensaram em aceitar a troca para evitar crise com o presidente. No entanto, o então diretor-geral declarou que não poderia ficar no cargo caso a troca no Rio ocorresse sem um motivo técnico.

Durante as mais de oito horas em que prestou esclarecimentos sobre as acusações, Moro evitou creditar a Bolsonaro qualquer prática criminosa, mas pediu que a motivação para as alterações solicitadas na estrutura da PF fossem questionadas ao próprio presidente. Disse que não atribui crimes ao chefe do Executivo, porém, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) o fez.

Moro frisou serem verdadeiras todas as declarações que fez em seu discurso de despedida do Ministério da Justiça. Ele também declarou que o general Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, entrou em contato com ele, por telefone, para pedir que ficasse no governo e que o militar garantiu que poderia ser apontada uma substituição intermediária para o comando da Polícia Federal.

O ex-ministro disse, na ocasião, que concordaria em ficar no governo caso fosse escolhida uma pessoa para dirigir a corporação que não fosse próxima da família do presidente. No entanto, essa negociação não avançou, e ele ficou sabendo da nomeação de Alexandre Ramagem, delegado amigo da família de Bolsonaro, pelo Diário Oficial da União. Naquele dia, decidiu sair do governo, e já havia alertado que contaria os motivos do pedido de exoneração e a tentativa de interferência na PF.

Relatórios

Em um trecho do depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro solicitou acesso a relatórios de inteligência policial. A determinação teria ocorrido em 22 de abril, no Palácio do Planalto, em frente a vários ministros do governo. De acordo com o ex-ministro, o presidente fez o pedido no mesmo dia em que solicitou a troca do superintendente da PF no Rio. Ele teria ameaçado demitir Valeixo e o próprio Moro se isso não ocorresse, conforme relatou. Os fatos narrados pelo ex-juiz teriam ocorrido durante a apresentação do programa Pró-Brasil.

As reuniões são gravadas em vídeo. Moro afirmou que Bolsonaro não fala a verdade quando diz que “não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal”. Ele disse, que como fazia outros ministros, repassava informações referentes a operações, sem dar detalhes das diligências. Isso ocorreu, de acordo com Moro, após a operação que mirou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e o senador Fernando Bezerra. O ex-juiz alegou que não repassou ao presidente, nesse caso, dados sigilosos dos inquéritos.

Mas, no mesmo depoimento, Moro frisou que Bolsonaro “nunca solicitou relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico” e que ele viu com estranheza que o presidente use esse argumento para embasar a demissão de Valeixo. Relato, ainda, que nunca assinou ou repassou ao presidente qualquer documento concordando com a exoneração do então diretor da PF. O nome dele apareceu na publicação do Diário Oficial que tratou da dispensa de Valeixo, mas essa informação foi corrigida em uma edição extra.

Ao ser perguntado se havia algum interesse específico de Bolsonaro sobre alguma investigação em curso no STF, Moro respondeu que o presidente enviou mensagem para ele, na manhã de 23 de abril de 2020, com o link de matéria de site a respeito do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) contra deputados bolsonaristas, e agregou que este, seria “mais um motivo para a troca na PF”.

Inquérito

Sergio Moro prestou depoimento na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar as acusações de que o presidente Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.

Generais

De acordo com Moro, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) “afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido”. Conforme o ex-juiz, os generais “se comprometeram a tentar demover o presidente”, mas vazou a informação de que Valeixo seria substituído e saiu a publicação da exoneração, o que tornou irreversível a demissão.

Frase

"Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”

Mensagem de Bolsonaro para Moro, segundo o ex-juiz

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Mentira deslavada, dispara o presidente

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

06/05/2020

 

 

Em meio às investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) de supostos crimes cometidos por ter tentado interferir politicamente na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro chamou de mentiroso o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, responsável pelas declarações que motivaram a abertura do inquérito. Apesar das provas apresentadas pelo ex-juiz aos investigadores no último fim de semana, o mandatário comentou que “graças a Deus, quem está com a verdade, tem paz”.

Segundo o presidente, as afirmações de Moro de que ele já quis acessar relatórios de inteligência da corporação não passam de uma “mentira deslavada”. “Em nenhum momento eu pedi relatórios de inquéritos. Isso é mentira deslavada por parte dele. Mentira deslavada. Tenho até vergonha de falar isso”, disparou. “Até ele disse que eu pedi em uma reunião de ministros… Em uma reunião de ministros a gente ia pedir algo ilegal? Eu não peço (algum documento) ilegal nem individualmente, quem dirá de forma coletiva”, frisou Bolsonaro.

“Para que eu quero relatórios de inquérito? Eu não estou interessado em condenar ou absolver quem quer que seja. Isso não é trabalho meu. A minha vida está aí, à disposição de todos vocês, como sempre. Não tem nenhuma acusação de corrupção no meu governo. Zero”, enfatizou. Ele acrescentou que vai ler o depoimento de Moro “com atenção para poder responder às demais acusações dele”, mas enfatizou que “em nenhum momento ele fala que eu cometi crime”.

De qualquer forma, Bolsonaro acusou Moro de ter cometido crime federal ao divulgar trechos de conversas entre os dois a alguns veículos jornalísticos. “Ele (Moro) tinha peças de relatórios parciais de coisas que eu passava para ele. E entregar para a Globo isso? Isso é crime federal, talvez incurso na Lei de Segurança Nacional. E pode ver que eu confiava nele. Tanto é que passava extratos de informações com chefes de Estado e com inteligências de fora do Brasil, mas, tudo bem”, ponderou.

Apesar disso, ontem, o presidente decidiu também mostrar a jornalistas conversas que teve com Moro, entre elas a que já havia sido revelada pelo ex-ministro à TV Globo em que Bolsonaro justificava como “mais um motivo para a troca” no comando da Polícia Federal o fato de a corporação estar investigando deputados bolsonaristas do PSL, de acordo com reportagem do portal O Antagonista.

Após confirmar que a mensagem era sua, Bolsonaro mostrou um diálogo anterior em que havia enviado a Moro a mesma matéria do portal. Moro teria respondido: “Isso é fofoca. Tem um DPF (Departamento da Polícia Federal) atuando por requisição no inquérito das fake news, e que foi requisitado pelo min (ministro) Alexandre. Não tem como negar o atendimento ah (à) requisição do STF”.

“Ele tem informação privilegiada. Se isso é fofoca, ele diz que esse inquérito que existe no Supremo não tem nome de deputado federal nenhum e nem de Carlos Bolsonaro. Ele diz isso”, criticou Bolsonaro. “Eu lamento uma pessoa como o senhor Sergio Moro, um passado que ele teve importantíssimo na República do Brasil, caçando bandidos, corruptos… Eu lamento uma figura tão importante, como foi o senhor Sergio Moro para nós, prendendo o ex-presidente Lula em primeira instância, ter esse fim”, acrescentou.

Rio

Por diversas vezes, o mandatário garantiu que não interferiu na mudança da Superintendência da PF no Rio de Janeiro. O responsável pela corporação no estado, Carlos Henrique Oliveira, foi convidado pelo novo-diretor geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, para ser diretor-executivo. Apesar disso, Bolsonaro não escondeu o seu interesse na sede da instituição em solo fluminense.

“O Rio é o meu estado. Vamos lá: o caso porteiro, como foi a Polícia Federal no caso porteiro? Eu fui acusado de tentar matar a Marielle. Quer algo mais grave do que isso? O presidente da República acusado de um assassinato? A PF tinha de investigar”, garantiu, sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco.

Autoritarismo

Em tom autoritário contra os jornalistas, Bolsonaro chegou a mandar alguns profissionais calarem a boca. Apesar de ter pedido desculpas por ter sido “um pouco grosseiro”, ele impediu a imprensa de fazer perguntas e justificou que não estava em um “interrogatório”.

Bolsonaro ainda citou o fato de Carlos Henrique Oliveira, ex-superintendente da PF do Rio, ter sido convidado para assumir a direção executiva da PF. “Se era para trocar o superintendente do Rio, para onde foi convidado o superintendente do Rio? Para que cargo? Vocês dizem que eu estou interferindo. Então, o novo DG, diretor-geral, convidou, eu não sei se... Deve ter aceitado, já que um cargo desse quem não quer ser? O sonho de todo policial federal é ser diretor-geral, ou incorporar as diretorias da Polícia Federal. Ele está sendo convidado para ser o 01 (na verdade, Oliveira será o 02 da PF)”, afirmou o presidente.

Frase

"Em nenhum momento eu pedi relatórios de inquéritos. Isso é mentira deslavada por parte dele. Mentira deslavada”

Jair Bolsonaro, presidente da República