Título: Royalties: respeito ao conceito de Federação
Autor: Ramalho, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 18/12/2012, Opinião, p. 15

Desde 2009, nos debatemos com a celeuma da divisão dos royalties de exploração das riquezas dos depósitos petrolíferos do pré-sal. Ora, pela legislação atual, a União fica com 40% das receitas, sendo o acionista majoritário da partilha. E o que é a União, ou a quem pertence à União que detém esses 40% dos royalties? A União nada mais é que a indissolúvel união entre estados, Distrito Federal e municípios.

Mas observem que, enquanto a União fica com 40% dos royalties, apenas 7,5% restantes são distribuídos entre todos os municípios e estados da Federação. É como se a União fosse um ente à parte, ou um banco particular do governo, que empresta ou não o dinheiro do petróleo a seu critério e humor, que quase sempre varia para mau, deixando os estados e os municípios não produtores em constante situação de constrangimento e inferioridade — o que fere diretamente o corpo do país, o próprio conceito de nação.

Não é preciso ser especialista para saber que nossas riquezas naturais não são fruto de esforço de um ou de outro estado, tampouco estado algum produz petróleo — quem nos dera deter essa ciência —, apenas extrai o óleo do subsolo brasileiro, que pertence a todo o país. É um conceito equivocado dizer que se produz petróleo ou que se é mais dono dele.

Precisamos repetir diuturnamente que todos são iguais perante a lei, sendo vedado qualquer tipo de distinção entre os cidadãos brasileiros, segundo a Constituição Federal, nossa Carta Magna e instrumento final que nos assegura como sociedade organizada. E que em situações extremas serve de trava que nos impede retroagir à escuridão, ao primitivo nas relações socioeconômicas. Parece ser este o caso: defender a Constituição e os brasileiros como iguais na partilha dos royalties.

Em 2011, os royalties do petróleo somaram a cifra de R$ 9,2 bilhões. Em 2020, devem chegar a R$ 21,6 bilhões. Para quem ficará esse montante? O veto presidencial representa, sem dúvida alguma, a manutenção dos estados e municípios como pedintes oficiais, de pires na mão, dependentes de gentilezas e da boa vontade governamental. Somos hoje vassalos de um senhor feudal que jamais nos libertará de uma dívida que nem sequer existe. Pior: nos sentimos contemplados como país, ganhadores de uma mega-sena petrolífera que só é paga a dois dos 24 jogadores do bolão! Não é justo. Os ganhadores restantes ficam com um prêmio de consolação.

A pergunta que faço é simples. A presidente vai deixar de atender 24 estados para atender a dois? A União vai abandonar o próprio conceito de Federação? O que está acontecendo aqui é um desmonte da Constituição Federal, um crime contra a nação, um jogo perigoso de interesses particulares em detrimento do interesse nacional, que passa pela vaidade de canetadas do Executivo e pelo medo dos estados que se dizem produtores.

O governo, que chegou a defender a distribuição igualitária dos royalties, voltou atrás diante da pressão dos estados produtores. Devemos alertar a presidente Dilma que nós também saberemos fazer pressão, como maioria, derrubando o veto presidencial de forma majoritária e legítima, como uma nação tem que ser.

Ao se manterem os critérios da atual legislação, no que tange à divisão dos benefícios econômicos provenientes da exploração petrolífera no país continuaremos a ver, no Brasil, a odiosa divisão de seus cidadãos entre brasileiros de primeira e de segunda classe. Os primeiros são os habitantes das regiões onde está localizado o petróleo; os outros, os dos demais estados e municípios, que não foram tão afortunados e ficam impedidos de gozar dos privilégios desfrutados pelos habitantes dos estados e municípios mais bafejados pela sorte geográfica, mas que, preciso lembrar, não são independentes. Se esses estados querem uma fatia maior, que busquem sua independência, porque ainda somos uma nação!