Correio braziliense, n. 20802 , 06/04/2020. Política, p.5

 

Ministros viram testemunhas

Renato Souza

06/05/2020

 

 

PODER » Celso de Mello autoriza oitivas de Braga Netto, Augusto Heleno e Eduardo Ramos, além de depoimentos com a deputada Carla Zambelli e seis delegados. Magistrados poderão sofrer condução coercitiva caso não apareçam em audiência

Por determinação do ministro Celso de Mello, relator do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as declarações do ex-chefe da pasta da Justiça Sergio Moro, três ministros do governo serão ouvidos pela Polícia Federal na condição de testemunhas das acusações feitas por Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Nos próximos 20 dias, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, devem prestar depoimento em local e data previamente agendado entre eles e o poder Judiciário. No entanto, se faltarem ao depoimento, podem ser alvo de condução coercitiva e obrigados a comparecer a unidade policial.

Além dos ministros, Celso de Mello também autorizou a oitiva da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que teria tentado fazer Moro aceitar trocas no comando da PF em troca de ser indicado a uma vaga no Supremo, e de seis delegados da PF, entre eles Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da corporação. Devem ser ouvidos também o ex-superintendente da PF no Rio Ricardo Saadi, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, o chefe da PF em Minas, Rodrigo Teixeira, o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem — que havia sido indicado por Bolsonaro para a direção-geral da PF, e o recém-indicado diretor-executivo da PF, Carlos Henrique de Oliveira Sousa. As diligências foram solicitadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

O chefe do Ministério Público que saber se os delegados têm informações sobre “eventual patrocínio, direto ou indireto, de interesses privados do presidente da República perante o Departamento de Polícia Federal, visando ao provimento de cargos em comissão e a exoneração de seus ocupantes”. Aras também solicitou acesso aos comprovantes de autoria das assinaturas da exoneração de Maurício Valeixo publicadas no Diário Oficial da União (DOU), no último dia 23, além do documento com eventual pedido de exoneração solicitada por Valeixo ao presidente.

O Ministério Público também solicitou ao STF — e teve o pedido atendido — que o Planalto seja obrigado a apresentar, no inquérito, o vídeo da reunião entre Moro, Bolsonaro e demais ministros, no qual ele teria solicitado ao ex-ministro a troca do comando da PF no Rio, além de acesso a relatórios de inteligência. Celso de Mello determinou “ampla divulgação” do depoimento de Moro e demais informações do inquérito, tendo em vista a relevância do caso, que pode concluir pela prática de crime por parte do presidente da República. Os ministros envolvidos como testemunhas e os demais citados não se manifestaram sobre o assunto. A ordem, no Planalto, é que os integrantes do Executivo fiquem em silêncio sobre o assunto, pelo menos até o dia em que prestarem depoimento.

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Novo diretor da PF define cúpula

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Vera Batista

06/05/2020

 

 

Há apenas dois dias como diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza intensificou o mal-estar na corporação ao promover mudanças na chefia da superintendência da PF no Rio de Janeiro e, agora, terá de se explicar à Procuradoria-Geral da República (PGR). O novo episódio da crise na corporação repercutiu em associações de delegados e de agentes da Polícia Federal, que se colocam em lados distintos.

Enquanto isso, Souza já definiu parte de seu time na diretoria e deverá fazer o anúncio até o fim da semana. Segundo a Folha de S. Paulo, o recém-empossado da PF promoverá a troca de cinco superintendentes: do Rio Grande do Sul, Paraíba, Alagoas, Tocantins e do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira. Já o delegado Igor Romário, indicado por Valeixo, permanecerá no cargo de Diretor de Combate ao Crime Organizado (Dicor). Ele é um dos símbolos da Lava Jato de Curitiba. O diretor da Diretoria de Tecnologia da Informação e Inovação (DTI) também será mantido no cargo.

De acordo com a Folha, o diretor-executivo, número dois na hierarquia da PF, será Carlos Henrique Oliveira, atual superintendente do Rio. O diretor de Inteligência será Alexandre da Silveira Isbarrola, atual superintendente do Rio Grande do Sul. O corregedor-geral será João Vianey Xavier Filho, que há pouco tempo tomou posse como chefe da PF de Alagoas. O diretor de Logística será André Viana Andrade, atual superintendente da Paraíba. E a diretora de Gestão de Pessoal será Cecília Silva Franco, atual comandante da polícia de Tocantins.

A troca do superintendente da PF carioca, Carlos Henrique Oliveira, será investigada no mesmo inquérito aberto pela PGR para apurar denúncias do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro. Ao deixar o governo federal, ele revelou que Bolsonaro já quis ter acesso a inquéritos e a relatórios de inteligência da Polícia Federal, além de ter usado do seu posto para ordenar a abertura de investigações. A PGR analisará se o presidente cometeu os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.

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Carreiras divergem

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Vera Batista

06/05/2020

 

 

A polêmica envolvendo o ato de Rolando Alexandre de Souza dividiu categorias de servidores da Polícia Federal. A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) considerou “dentro da normalidade o convite do novo diretor-geral, Rolando de Souza, a Carlos Henrique Oliveira para ser seu diretor-executivo”. Para a instituição, “apesar de a troca, neste momento, suscitar dúvidas e desconfianças sobre a possibilidade de interferência na PF do Rio de Janeiro, o atual superintendente foi alçado à posição de segundo cargo mais importante na hierarquia do órgão”.

“Como ele foi escolhido à época pelo então diretor-geral Maurício Valeixo, sua indicação vai em sentido contrário ao que poderia se configurar como um ato de intervenção política da Presidência da República”, afirmou a Fenapef. “Os policiais federais aguardam a indicação do novo nome para chefiar a superintendência do Rio de Janeiro com atenção e estão confiantes de que o governo federal vai cumprir a promessa de não tentar interferir nas investigações da Polícia Federal.”

Por outro lado, delegados da corporação até suspenderam uma nota de apoio ao novo diretor-geral, após a troca de comando no RJ. O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, ressaltou que o comunicado estava sendo estruturado, mas sequer foi emitido e divulgado porque a classe precisa, primeiro, “acompanhar os primeiros atos” de Rolando.

De acordo com Edvandir Paiva, “houve ontem (segunda-feira) um boato de que haverá troca no Rio de Janeiro, por isso estamos aguardando”. O superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira, foi alvo de ataques e tentativas de substituição por Bolsonaro várias vezes. É no RJ que corre o processo contra o filho do presidente, suspeito de participar, na Câmara estadual, do esquema de rachadinha – quando o parlamentar embolsa parte do salário dos funcionários.

“Vamos esperar um pouco para nos manifestarmos sobre a troca na PF”, reforçou Paiva. O presidente da ADPF afirma que em nenhum momento se tocou na possibilidade “de possível intervenção do Executivo em investigações”. No entanto, fontes da própria PF destacaram que estão tentando fazer “Carlos Henrique Oliveira cair para cima e calar a boca, com o cargo de diretor-executivo”. Assim, de acordo com as fontes, “mata-se dois coelhos com uma só cajadada: é feita a troca no RJ e o superintendente que foi tão criticado sai aparentemente beneficiado”.