O Estado de São Paulo, n.46203, 17/04/2020. Economia, p.B2

 

Testes, testes, testes. Dúvidas, dúvidas, dúvidas

Celso Ming

17/04/2020

 

 

O que mais importa agora é saber o que muda na política de contra-ataque à pandemia. Na sua primeira declaração, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, disse três coisas: que não haverá nenhuma guinada brusca na sua política em relação à praticada pelo ex-ministro Mandetta; que é preciso flexibilizar o isolamento, para abrir espaço para a retomada do emprego e da atividade econômica; e que as novas decisões em matéria de políticas públicas terão de se basear numa ampla pesquisa de como se comporta a doença.

Vamos começar pelo terceiro ponto. A indicação de fazer testes em massa para a partir daí tomar decisões racionais ou “científicas”, como disse Teich, já havia sido uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Não foi colocada em prática porque não estavam disponíveis esses testes. Mas continua a não haver testes e não se sabe como poderia funcionar um programa desses de testes em massa. A população brasileira supera os 210 milhões de habitantes. Se, muito antes da pandemia, o País não teve recursos nem condições mínimas para levar adiante as pesquisas do Censo 2020, muito menos terá recursos e condições para enfrentar uma ampla campanha de testes.

Quem vai produzir ou de onde virão os kits de testes, quem vai aplicar esses testes, se quase não houve pessoal para aplicar as vacinas contra gripe convencional? Quem vai processar esses testes? E quanto tempo levará o governo para começar a ter essa base de testes para começar a tomar decisões importantes, num cenário em que o coronavírus já mata em média 200 pessoas por dia no Brasil?

Outra dúvida tem a ver com a flexibilização do isolamento. Se o ministro se compromete a não produzir nenhuma virada drástica enquanto não souber como se comporta o vírus no Brasil e como ele infecta a população, então fica difícil entender a que ritmo e sob que condições acontecerá essa flexibilização. As informações disponíveis a partir das experiências do exterior, especialmente de países da Ásia e da Europa, são de que uma flexibilização prematura pode produzir novos desastres. São muitos os infectados que não mostram sintomas da doença e que, no entanto, a transmitem para outros. A volta desses infectados assintomáticos ao chão de fábrica, ao chão da loja ou ao chão do restaurante pode produzir o alastramento ainda mais rápido da pandemia e voltar a obrigar ao fechamento de indústrias, do comércio e do setor de serviços.

Além disso, há quase certeza de que essa pandemia pode repetir o que aconteceu na gripe espanhola, que foi embora, mas acabou voltando para as mesmas cidades de onde aparentou ter desaparecido.

A troca de ministros teve por objetivo dissolver as enormes divergências dentro do governo sobre como tratar o problema. O novo ministro está ecoando o discurso do presidente Bolsonaro. Mas essa nova unidade pode ser apenas aparente. As condições objetivas, tais como são agora conhecidas, não deixam claro como a nova orientação funcionará. Se nada mudará rapidamente e se é preciso esperar por novos conhecimentos técnicos para só então determinar as novas políticas públicas, então as divergências deverão continuar.

(...)

CONFIRA

Conflito federativo

No pronunciamento desta quinta-feira, quando anunciou a demissão de Henrique Mandetta e a nomeação de Teich no Ministério da Saúde, o presidente Bolsonaro deu a entender que seu principal inimigo são hoje os governadores, especialmente o paulista, João Doria.

Achaque

São, na verdade, os governadores que defendem o isolamento tal como adotado no Brasil até agora. Mas, na leitura do capitão Bolsonaro, a pandemia estava sendo usada pelos governadores não só para achacar recursos do governo federal, mas também para destruí-lo politicamente, com objetivo eleitoral.

Perda de apoio

A questão é de fato política e, mais do que isso, é nova manifestação do conflito federativo. O presidente não tem base organizada no Congresso e imaginava ter apoio dos governadores. Mas, entre eles, perdeu o apoio até mesmo do Ronaldo Caiado, que dirige Goiás, o padrinho político de Mandetta.