Título: Pizza com champanhe na CPI
Autor: Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 19/12/2012, Política, p. 6

Depois de oito meses, a CPI do Cachoeira terminou ontem sem pedir o indiciamento de nenhum dos envolvido no esquema que misturou corrupção e jogos ilegais protagonizado pelo bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Interessados em blindar aliados, os líderes partidários rejeitaram o texto de cerca de 3 mil páginas do relator, Odair Cunha (PT-MG), e aprovaram como relatório o voto em separado do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF). Em duas resumidas páginas, ele apenas determina o envio das informações recolhidas pela comissão ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF). Na prática, os parlamentares remetem aos dois órgãos dados para uma investigação que eles próprios não fizeram, do envolvimento de agentes públicos e empresas com a organização do bicheiro.

Criada para avançar nas apurações da PF sobre as relações de Cachoeira com políticos, a CPI termina sem fazer qualquer análise sobre os dados que recolheu. Não pede sequer o indiciamento do ex-senador Demóstenes Torres, cassado pelo próprio Congresso depois de a maioria dos parlamentares entender que ele usou o mandato para favorecer negócios de Cachoeira. As duas laudas aprovadas como relatório registram que a comissão não conseguiu chegar a "conclusões irrefutáveis".

Rede de proteção As negociações sobre a votação do texto final, adiada duas vezes nas semanas anteriores, ocorreram até a madrugada de ontem. Enquanto Odair Cunha prometia alterações para conquistar votos, parlamentares do PSDB e do PMDB se uniam para tentar proteger investigados, entre eles o governador de Goiás, Marconi Perillo, e o dono da Construtora Delta, Fernando Cavendish. Um dos articuladores da manobra, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) aproveitou a sessão deliberativa de segunda-feira para arregimentar votos contrários ao relatório de Cunha.

Na tentativa de aprovar seu texto, o relator cedeu a diversas exigências. Retirou os pedidos de investigação contra o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e de indiciamento de jornalistas, do vereador de Goiânia Elias Vaz (PSol), do empresário Rossine Guimarães e do superintendente do Incra de Goiás, Marco Aurélio Bezerra. Cunha conquistou o voto do grupo chamado independente, que sempre o criticou por deixar de fora informações mais contundentes sobre empresas de fachada ligadas à Delta.

Pelas contas do relator, a votação terminaria empatada e o presidente da comissão, Vital do Rêgo (PMDB-PB), teria de votar, garantindo a vitória do texto do petista. Mas o parecer foi rejeitado por 18 votos a 16. Foi derrotado pela oposição, por parte do PMDB e pelos partidos nanicos. Entre as "traições" está a do deputado César Halum (PSD-TO), que solicitou a retirada do pedido de indiciamento de Rossine. Foi atendido, mas acabou votando contra. Renan teria sido determinante na escolha de dois senadores para substituir ausentes na sessão de ontem. Ivo Cassol (PP-RO) e Sérgio Petecão (PSD-AC) entraram nos lugares de Ricardo Ferraço (ES) e Paulo Davim (RN) e votaram contra o texto.

Depois da derrota do parecer de Odair Cunha, os parlamentares aprovaram requerimento para dar prioridade à votação do voto em separado de Pitiman, aprovado por 21 a 7, com o apoio de parlamentares da base e da oposição. "O que derrotou o nosso relatório foi a blindagem ao Perillo e à Delta. Apesar do nosso esforço, foi uma pizza geral", disse o relator, acrescentando que "o governo federal não participou em nenhum momento da articulação do nosso voto, por razões que precisa explicar".

Em sua defesa, Pitiman disse que seu relatório amplia o texto de Odair por incluir tudo o que foi investigado pela comissão. Para Lorenzoni e Randolfe, a CPI terminou com "champanhe francês", em referência a fotos em que o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), aparece, em Mônaco, brindando com Cavendish.

Leréia fora da pizza

Apesar do fim melancólico da CPI do Cachoeira, o único caso remanescente do escândalo ainda pode ter um final diferente. A Mesa Diretora da Câmara define hoje se encaminha ao Conselho de Ética da Casa o pedido de cassação do mandato de Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO). O deputado é acusado de ser sócio de Cachoeira, de usar o cartão de crédito dele, negociar cheques e, até, de interferir na demissão de servidores públicos e integrantes da polícia de Goiás. A situação do tucano foi analisada por uma comissão de sindicância da Casa, que sugeriu a abertura do processo de perda do mandato. Mas o parecer está na Mesa Diretora desde julho. "O caso de Leréia é muito parecido com o de Demóstenes (Torres, senador cassado por usar o mandato a serviço do bicheiro). A diferença é que, ao contrário do senador, o deputado nunca negou ter ligações com Cachoeira", comentou Jerônimo Goergen (PP-RS), que foi relator da apuração na comissão.