Correio braziliense, n. 20803 , 07/05/2020. Política, p.4

 

Bolsonaro cobrou Moro sobre ação do Ibama

Simone Kafruni

07/05/2020

 

 

PODER » Em mensagem para o então ministro, presidente questionou a destruição de máquinas destinadas a desmatamento na Amazônia. Logo após, houve exonerações no órgão

Ao tentar confirmar uma troca de mensagens com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, mostrando o próprio celular, o presidente Jair Bolsonaro acabou revelando um diálogo no qual reclama da participação da Força Nacional (FN) nas operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra grileiros na Amazônia. Na troca de mensagens, Bolsonaro cobra que a FN teria ajudado o órgão ambiental a destruir maquinário destinado ao desmatamento. A conversa coincide com várias exonerações no Ibama.

Bolsonaro mostrou o aplicativo de mensagem para provar que tinha enviado um link ao ex-juiz com notícia sobre a investigação de deputados bolsonaristas pela Polícia Federal. Acabou revelando, sem intenção, o outro diálogo. Foi possível ler a resposta de Moro, agora desafeto do presidente. “O Coronel Aginaldo da FN também nega envolvimento nas destruições. A FN só acompanha o Ibama nas operações para segurança dos agentes, mas não participa da destruição.” Moro se refere ao coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, comandante da Força Nacional. O ex-ministro foi padrinho de casamento de Oliveira com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

A conversa ocorreu uma semana após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter exonerado o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, atuante contra o desmatamento. A saída do diretor, por sua vez, ocorreu dois dias após a divulgação de uma operação do Ibama para tirar madeireiros e garimpeiros ilegais de terras indígenas no sul do Pará.

Uma semana após a exoneração de Azevedo, outros garimpos ilegais foram fechados para conter a disseminação do coronavírus. Depois dessas operações, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, a pedido do ministro Salles, demitiu o coordenador geral de fiscalização ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira, e o coordenador de Operações de Fiscalização, Hugo Ferreira Netto Loss.

Os dois são responsáveis pela repressão a crimes ambientais, como o desmatamento. A justificativa do Ministério do Meio Ambiente para as dispensas, na ocasião, foi que “é a prerrogativa do novo diretor escolher sua equipe”. O Ministério Público Federal abriu investigação sobre as exonerações.

Perigo iminente

De acordo com Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, o governo já deu mostras de que apoia os grileiros ao enviar a Medida Provisória 910, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União. A MP vence em 19 de maio, e a pressão da bancada ruralista é grande para aprová-la, pois permitirá que quem invadiu terras até 2018 possa ganhar o título. “Há uma ação coordenada. Enquanto a Funai (Fundação Nacional do Índio) retira a proteção das terras indígenas, a MP dá segurança jurídica aos grileiros. Não à toa, o desmatamento disparou na Amazônia”, afirmou.

Para Valle, a perseguição aos fiscais ambientais é da mais alta gravidade. “Punir os dois,  Renê e Hugo, porque cumpriram o que a lei manda dá uma sinalização concreta de que este governo vai tolerar e incentivar que particulares atentem contra a lei”, alertou. Valle lembrou que o que está se desmontando não são pequenas regras ambientais, mas o Estado de direito, segundo o qual a lei é para valer e tem que ser respeitada. A lei atual beneficia os pequenos produtores, porém, se a MP 950 for aprovada, vai favorecer os invasores de grandes áreas públicas, a partir de quatro módulos fiscais, segundo o especialista. Na Amazônia, cada módulo tem, em média 100 hectares. “O grileiro vai ganhar o título sem que o órgão fiscalizador sequer veja a terra para saber se há produção ou desmatamento, pagando 5% do valor de mercado”, lamentou.

Frase

"Há uma ação coordenada. Enquanto a Funai (Fundação Nacional do Índio) retira a proteção das terras indígenas, a MP dá segurança jurídica aos grileiros. Não à toa, o desmatamento disparou na Amazônia”

Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, sobre a MP 910

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Ações do governo dividem STF

Renato Souza

07/05/2020

 

 

As decisões envolvendo o governo estão dividindo o Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto alguns ministros avaliam que o Executivo tem ultrapassado limites e é preciso levantar barreiras legais, outros acreditam que o Judiciário deve se conter para evitar uma crise entre os Poderes. Na Corte, o presidente, Dias Toffoli, e Marco Aurélio Mello têm atuado para evitar atrito. Já Celso de Mello adota rigor ao tratar ações relacionadas ao governo. A postura dele é acompanhada por Alexandre de Moraes, que foi alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro.

Nos bastidores, Toffoli tem conversado com Moraes sobre ações que interferem na atuação do Executivo. O magistrado é relator do processo que investiga manifestações pró-ditadura, em diversas cidades, que pediram o fechamento do Supremo e do Congresso. Na mira, estão aliados do governo, entre agentes de mobilização social que atuam pela internet e grupos organizados, como políticos que integram a base do Executivo no Congresso. O próprio comandante do Planalto pode entrar na mira, pois tem participado de atos em Brasília que adotaram pautas controversas. Apesar dele não estar no foco do inquérito, existe um pedido para que seja incluído.

Enquanto o governo sofre forte revés em algumas ações, ganha campo em outras. Na terça-feira, Toffoli derrubou uma decisão da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte que obrigava o Ministério da Defesa a retirar do ar uma nota que defendeu o golpe militar de 1964. Para o ministro, a decisão da primeira instância resultava em “ato de censura à livre expressão” do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. No texto, publicado pelo ministério, o ato de 31 de março de 1964, quando os militares tomaram o poder, foi “um marco para a democracia”.

Toffoli entendeu que não cabe ao Judiciário interferir na publicação de uma “simples ordem do dia”. Ele destacou ainda que o processo é fruto da excessiva judicialização do sistema jurídico brasileiro. Nos últimos dias, o ministro demonstrou, nos bastidores, irritação com as derrotas impostas ao governo na Corte. O ápice foi quando o Moraes suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, contrariando o Executivo. Ao ser atacado, recebeu o apoio da maioria dos colegas do tribunal, como Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Edson Fachin.

Celso de Mello, relator de inquérito aberto na Corte para avaliar a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, tem sido o mais crítico ao governo em suas decisões. No curso das diligências, está fazendo tudo que o Executivo não queria. Está encurtando prazos, como o do depoimento de Moro, o qual determinou que fosse colhido dentro de cinco dias. Agora, deu 20 dias para a oitiva de ministros e outras autoridades no processo.

Já Marco Aurélio pretende colocar no regimento da Corte o impedimento de que decisões monocráticas de ministros sejam utilizadas para decidir sobre casos que dizem respeito à competência de outros poderes, colocando fim ao temor de derrotas relâmpago do governo na Corte.