O Estado de São Paulo, n.46204, 18/04/2020. Política, p.A8

 

Teich vê ‘pobreza’ de informações e não detalha plano

Mateus Vargas

Emilly Behnke

18/04/2020

 

 

Na posse, ministro da Saúde afirma que falta de dados sobre vírus causa medo; Bolsonaro defende reabertura de fronteiras e comércio

Sem dizer qual estratégia pretende adotar contra a covid19, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, tomou posse ontem com o discurso de que a falta de informações sobre a doença provoca um nível “enorme” de ansiedade e medo na população. Ainda que prometa não adotar mudanças bruscas, como reabrir todo o comércio, uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro, Teich deu sinais de que pretende rever orientações sobre isolamento social.

Em conversas com colegas de entidades médicas e com Bolsonaro, ainda durante negociações para chegar ao cargo, Teich já havia argumentado ter visto “exageros” em medidas restritivas, como decretação de quarentena em cidades do interior e sem casos da doença, que teriam sido tomadas com base em projeções pouco palpáveis.

Um ponto tratado no discurso e em reuniões reservadas com o presidente é que, em alguns locais, pacientes com outras doenças deixaram de buscar atendimento médico por medo de se contaminar, o que esvaziou serviços de saúde. “Se você tem menos acesso, menos disponibilidade de serviço de diagnóstico, será que não vai dificultar diagnóstico de pessoas com câncer? O que vai acontecer quando uma pessoa fica em casa, com medo de ir ao prontosocorro e enfarta?”, afirmou.

O discurso foi interpretado como uma adaptação à narrativa de Bolsonaro. Em artigo publicado no início do mês, Teich defendeu o isolamento horizontal – em que todos devem ficar em casa, não apenas grupos de risco –, como medida mais eficaz neste momento.

Divergências em relação à melhor estratégia de combate ao coronavírus foram o que motivou a demissão de Mandetta do cargo. Ontem, ao falar logo após Teich, Bolsonaro defendeu a reabertura de fronteiras e comércios no País. Também voltou a criticar medidas tomadas por governadores no combate à pandemia do novo coronavírus. “Essa briga de começar a abrir para o comércio é um risco que eu corro. Se agravar (a doença) vem ao meu colo. Agora, o que acredito, que muita gente está tendo consciência que tem de abrir”, disse Bolsonaro, ao lado de Teich e Mandetta, também presente no evento.

Técnicos do Ministério da Saúde argumentam que jamais defenderam um “lockdown” – o fechamento completo – em todo o País, e que não foram consultados por prefeitos e governadores que podem ter tomado medidas precipitadas. Em conversa reservada com Bolsonaro, Teich teria dito que falou ao ministério que era preciso apresentar indicativos mais sólidos antes de orientar decisões como de fechar o comércio de uma pequena cidade.

Ao discursar ontem, o novo ministro voltou a dizer que há “pobreza” de informação sobre o coronavírus e defendeu a integração com dados de outros ministérios. Anteontem, ao ser anunciado, ele declarou que pretende elaborar um “programa de testes” para conhecer melhor como se deu a disseminação do novo coronavírus no País. A ampliação da testagem, porém, não foi mencionada ontem na posse.

Equipe. Teich ainda não anunciou nomes para a sua equipe. Alguns secretários nomeados por Mandetta estiveram na posse do novo ministro. A ideia dos atuais integrantes da pasta é ficar à disposição até o começo de maio. O atual secretário nacional de Vigilância Sanitária, Wanderson de Oliveira, disse que participará da transição até 4 de maio e, depois, se afastará da equipe. Principal formulador de medidas da Saúde contra a covid-19, ele chegou a pedir demissão nesta semana, mas foi convencido a permanecer pelo menos por este período.

Enquanto isso, Bolsonaro escalou o almirante Flávio Rocha, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, para auxiliar na transição. Rocha não terá um cargo específico no ministério. Bolsonaro já disse que indicará nomes para a nova equipe da Saúde.