Valor econômico, v.21, n.4998, 12/05/2020. Política, p. A6

 

Valeixo diz que Bolsonaro queria chefe da PF "com mais afinidade"

André Guilherme Vieira

Luísa Martins

Marcelo Ribeiro

12/05/2020

 

 

O ex-diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, afirmou ontem que Jair Bolsonaro lhe disse, em duas oportunidades, que gostaria de nomear ao cargo de chefe da corporação alguém com quem tivesse "maior afinidade", mas não relatou "nenhum tipo de problema" com o presidente.

Em um depoimento de mais de sete horas prestado na PF de Curitiba, Valeixo negou que tenha havido interferência política durante sua gestão à frente do órgão e afirmou que o presidente nunca pediu a ele qualquer dado sobre investigação policial em curso. O ex-diretor-geral da PF foi ouvido por delegados e procuradores da República que conduzem o inquérito que apura eventual interferência política de Bolsonaro na PF. O Valor teve acesso ao depoimento.

"A partir do momento em que há uma indicação com interesse sobre uma investigação específica, estaria caracterizada uma interferência política, o que não ocorreu em nenhum momento", disse.

Valeixo afirmou que "não lhe foi solicitada nenhuma informação por parte da Presidência da República sobre investigações ou inquéritos em tramitação na superintendência da PF no Rio".

Ele negou que a troca na direção-geral da PF poderia ter impacto no acesso a informações sobre o inquérito das "fake news", em curso no Supremo.

"Seria necessária uma troca na rotina de trabalho estabelecida na PF já há muitos anos", disse. Segundo Valeixo, "os inquéritos que tramitam no STF envolvem tratativas diretas entre equipes policiais e os gabinetes dos ministros, sem que tais documentos passem pelo gabinete do diretor-geral" da PF.

Valeixo afirmou que nem Bolsonaro, nem Moro, solicitaram informações sobre o inquérito 4781 do Supremo Tribunal Federal (STF), em que o presidente e deputados são investigados.

Indagado se o presidente da República pode solicitar relatórios de inteligência da PF, Valeixo respondeu que a "doutrina" da corporação prevê que o presidente pode pedir tais informações quando envolverem questões estratégicas que demandem a tomada de decisões e que isso também é feito por outros órgãos como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Valeixo contou que estava desgastado no cargo desde o segundo semestre de 2019. Disse que em agosto houve aproximação do delegado Alexandre Ramagem com a direção-geral da PF, "visando minimizar o desgaste ocorrido com a primeira crise [para definir o chefe da PF] do Rio de Janeiro."

O delegado disse se recordar que Ramagem "havia sido indicado no início de sua gestão, em comum acordo com os demais diretores [da PF], para exercer o cargo de superintendente da Polícia Federal no Estado do Ceará". Mas isso não ocorreu, segundo Valeixo, porque Ramagem foi requisitado para atuar junto à Presidência da República, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). "Depois dessa função o doutor Ramagem passou a exercer o cargo de diretor da Abin". Valeixo disse que até então não sabia da relação de amizade de Ramagem com Bolsonaro.

Valeixo disse também que Sergio Moro nunca indicou "qualquer nome para função de superintendente" e que a única mudança mencionada pelo então ministro "se restringia à superintendência do Rio de Janeiro, o que ocorreu por duas vezes".

Ontem, em Brasília, foram tomados os depoimentos de Alexandre Ramagem e do delegado Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no RJ.

O vídeo da reunião no Palácio do Planalto em que o presidente teria manifestado intenção de interferir politicamente na PF será exibido hoje aos investigadores.

A gravação foi indicada pelo ex-ministro Moro como prova de que o presidente tinha interesse em trocar o diretor-geral da PF para ter acesso a relatórios sigilosos.

Bolsonaro disse estar "zero preocupado" com o vídeo da reunião dos ministros em que supostamente teria ameaçado Moro de demissão. "Nós fornecemos o vídeo na íntegra (...) para comprovar que nada devemos no tocante ao inquérito".