Valor econômico, v.21, n.49999, 13/05/2020. Brasil, p. A5

 

Área mais crítica da covid representa 35,4% do PIB

Hugo Passarelli

13/05/2020

 

 

O Brasil tem 30% da população vivendo em áreas com alto nível de mortalidade por covid-19, mostra levantamento da consultoria Geografia de Mercado, coordenado por Tadeu Masano, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). O grupo equivale a 63,2 milhões de pessoas, que moram onde houve 71% dos casos e 75% das mortes por covid-19.

O estudo separou o Brasil em 561 microrregiões, agrupando municípios com dependência econômica entre si. As localidades foram então reclassificadas em seis faixas a partir da taxa de mortes registradas da doença a cada 100 mil habitantes.

Em situação mais crítica aparecem 56 regiões, compostas pelas capitais paulista e fluminense e por outros 356 municípios, com peso de 35,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e 34,3% do mercado de trabalho.

No topo da lista, aparecem os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, com índices de 18,6 e 17,4 óbitos por 100 mil habitantes. Ambos são avaliados individualmente por causa da elevada incidência da doença.

Na faixa 1, grupo com situação considerada crítica assim como São Paulo e Rio de Janeiro, estão 32 áreas ou 193 municípios. A taxa de mortes por covid-19 a cada 100 mil habitantes é de 15,9. Há ainda 22 regiões ou 163 municípios, com índice de 6,8 óbitos, fechando a parcela dos mais atingidos por mortes.

"É o vírus do transporte, começou a disseminação pelas viagens aéreas e foi se espalhando de acordo com a infraestrutura rodoviária", diz Masano. O professor explica que, em São Paulo, o impacto econômico é ainda maior porque muitas sedes de empresas estão aqui. "Além da atividade econômica em si, a tomada de decisões está concentrada em São Paulo", lembra.

O estudo alerta que o vírus avança com velocidade pelo país, atingindo regiões em que a infraestrutura de saúde é mais precária. O Sudeste concentra a alta de casos e mortes, mas a divisão em regiões feita pelo estudo evidencia que a taxa de mortes é crescente também em alguns Estados do Nordeste (como Ceará, Pernambuco e Bahia) e do Norte (Amazonas e Pará, por exemplo).

"Algumas cidades da faixa 1 já estão com o sistema de saúde colapsado, mesmo as que não estão muito próximas de ter o maior número absoluto de mortes", diz Masano, destacando que esse é caso do Amazonas, Estado em que boa parte das regiões está na faixa mais crítica de óbitos e outra parcela dá sinais de que irá para a mesma direção.

No futuro, uma das propostas de Masano é cruzar o levantamento com dados sobre a disponibilidade de Unidades de Terapia Intensiva (UTI). "Assim, as faixas serão, de fato, alertas sobre o esgotamento do sistema de saúde", diz. Mesmo assim, ele argumenta que é possível afirmar que as regiões com pior classificação são as com maior probabilidade de enfrentar estrangulamento da capacidade de atendimento.

Masano destaca que, a partir dos dados sobre o espalhamento do vírus, os gestores públicos poderiam se preparar para evitar o deslocamento das contaminações para suas regiões.

A faixa 3, com taxa intermediária de mortes (4,3), inclui 244 municípios em Estados como Rondônia, Roraima, Maranhão, Bahia e São Paulo, geralmente próximos a locais com alto número de casos. "Preocupa-me porque nessas microrregiões a covid-19 começou um pouco depois, existe um 'delay' do que aconteceu em partes do Sudeste, Sul, Norte e Nordeste", diz.

O levantamento ainda computa 168 microrregiões, ou 1.577 cidades que abrigam 12% da população brasileira, sem registro de mortes por covid-19. São áreas do interior do país que geram 8,6% do PIB e respondem por 8,7% do mercado de trabalho.

O professor também alerta para o alto grau de incerteza sobre o comportamento da doença no momento em que países como Alemanha, Coreia do Sul e China, origem da epidemia, voltam a registrar aumento das contaminações após a flexibilização do isolamento social. "É o imprevisível dentro do previsível", diz.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Mortes batem recorde e Bolsonaro ameaça governadores

Fabio Murakawa

Estevão Taiar

Rafael Bitencourt

13/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro ameaçou ontem acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Minstério da Justiça contra os governadores que descumprirem os decretos, emitidos por ele, que definem a relação de "serviços essenciais", que podem ser liberados durante a pandemia da covid-19. A ameaça foi feita no dia em que o registro de mortes pelo coronavírus no Brasil bateu novo recorde, chegando a 881 pessoas em 24 horas.

A fala reflete um conflito entre os governadores, que tentam restringir a circulação para conter o alastramento da doença, e Bolsonaro, que tenta forçar a abertura da economia. Anteontem, o presidente definiu academias esportivas, salões de beleza e barbearias como "serviços essenciais", o que em tese retira dos prefeitos e governadores a prerrogativa de restringir esses serviços.

"Se porventura o governador falar que não vai cumprir, a AGU e o Ministério da Justiça vão tomar a devida medida", disse ele a jornalistas no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro argumentou que os governadores que decidirem barrar atividades essenciais estariam, na prática, descumprindo uma norma federal.

"Havendo o descumprimento, a AGU vai se empenhar, talvez junto à esfera judicial, para que aquele governador cumpra o decreto."

Ele disse que pode ampliar ainda mais a lista de serviços essenciais. "Se tiver sugestão de uma nova profissão que seja considerada essencial, a gente estuda e decide. Um decreto é rápido", afirmou.

Para Bolsonaro, o decreto que classifica salões de beleza, barbearias e academias como essenciais vai ajudar "pessoas muito humildes" a voltarem a trabalhar e outras a "desestressarem" ao praticarem atividades físicas.

Bolsonaro afirmou ontem por duas vezes que há dois caminhos para contestarem esse tipo de decreto: entrar na Justiça ou recorrer ao Congresso Nacional para que se aprove um decreto legislativo que anule a medida.

Bolsonaro minimizou o fato de haver publicado o decreto sem consultar o ministro da Saúde, Nelson Teich. Segundo ele, definir atividades essenciais não é atribuição da pasta, mas dele.

Bolsonaro voltou a demonstrar preocupação com a economia, apesar do recorde de mortes, dizendo que é preciso encontrar "um meio termo" e criticou a possibilidade de algumas cidades entrarem em "lockdown", uma restrição mais radical da circulação de pessoas. "Lamento cada vida que se vai, mas o desemprego mata", disse. "Estou vendo ameaça de 'lockdown', isso é absurdo, inadmissível. O povo quer trabalhar."

Com as 881 mortes registradas ontem, o número de óbitos de infectados pela covid-19 no Brasil chegou a 12.400. O total de casos confirmados atingiu 177.589. Pelos números da Universidade Johns Hopkins, o Brasil tem atualmente o sexto maior número de mortos de infectados por covid-19 no mundo. O primeiro lugar é ocupado pelos EUA, com 82.227 óbitos, seguido por Reino Unido, com 32.769, Itália, com 30.911, França, com 26.994, e Espanha, com 26.920.