O globo, n. 31643, 26/03/2020. Especial Coronavírus, p. 12

 

Temperatura bem mais alta

Silvia Amorim

Gustavo Maia

Thais Arbex

Thiago Herdy

Naira Trindade

26/03/2020

 

 

Discussão entre Bolsonaro e Doria deixa vírus de lado

Um bate-boca entre Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), marcou a teleconferência que reuniu o presidente e governadores do Sudeste na manhã de ontem. O encontro ocorreu no dia se-guinte ao pronunciamento de Bolsonaro, em rádio e TV, no qual defendeu um afrouxamento nas ações contra a Covid-19. A conversa, marcada para alinhar ações no combate à doença, descambou para questões políticas e eleitorais, em clima que destoou das demais reuniões de Bolsonaro com governadores do país. À tarde, com exceção de Ibaneis Rocha Júnior, do Distrito Federal, os demais governadores se reuniram em videoconferência e defenderam em carta conjunta a adoção de “bom senso, equilíbrio e união” para impedir o avanço do coronavírus no país.

O primeiro pronunciamento foi de João Doria, que ameaçou ir à Justiça contra o governo federal caso haja confisco de equipamentos e insumos destinados ao combate do coronavírus em São Paulo. O governador também cobrou Bolsonaro a dar “o exemplo” ao país e pediu ao presidente “serenidade e equilíbrio”:

— Mais do que nunca, o senhor precisa comandar, liderar o país e, para isso, o senhor vai precisar de muita calma, de muito equilíbrio e de muita serenidade.

Na resposta, Bolsonaro atacou Doria — um de seus principais adversários políticos —por, segundo suas palavras, usar de “demagogia barata”. Também afirmou que, hoje, o tucano “não tem responsabilidade” e “não tem altura para criticar o governo federal”. Em tom de voz elevado, o presidente acusou Doria de “assumir uma postura completamente diferente” desde o resultado das eleições de 2018:

— Hoje, subiu a sua cabeça, subiu a sua cabeça a possibilidade de ser presidente da República. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal, que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Não aceito, em hipótese nenhuma, essas palavras levianas como se vossa excelência fosse responsável por tudo de bom que acontece no Brasil e acusa, levianamente, esse presidente que trabalha 24 horas por dia para o bem do seu povo. Guarde essas suas observações para as eleições de 2022, quando vossa excelência poderá destilar todo o seu ódio e demagogia. Nós aqui temos responsabilidade —disse o presidente.

O presidente continuou com um discurso forte:

— Se o senhor não atrapalhar, o Brasil vai andar, com certeza. Sai do palanque, que temos tudo para conduzir, junto com governadores, prefeitos e autoridades, o Brasil para o porto seguro.

Em outro momento, Bolsonaro disse não aceitar a atuação de Doria como porta-voz dos governadores:

— Essa situação para mim não serve. Senhor governador João Doria, faça a sua parte, o governo federal está pronto para colaborar, como sempre esteve. Vossa excelência foi que fechou as portas para nós. Resolveu partir para a campanha antecipada de 22 em vez de buscar o bem-estar do seu povo paulista, para minorar os problemas que se avizinhavam. Assim, sendo, respondendo à vossa excelência, não atacando, mas apenas respondendo seus ataques infundados.

Bolsonaro passou a palavra na sequência ao ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que pediu calma:

—Quando se tem uma crise dessa proporção, a primeira palavra que a gente precisa ter é equilíbrio.

À tarde, nas redes sociais, Doria considerou a reunião com como “decepcionante”

Durante o encontro, governadores também pediram ao presidente que inicie negociações com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de De-senvolvimento (BID)para que o pagamento das dívidas dos estados com essas instituições seja adiado por até um ano.

Além de Bolsonaro, Doria e Mandetta, participaram da reunião Wilson Witzel (Rio de Janeiro), Romeu Zema (Minas Gerais) e Renato Casagrande (Espírito Santo), além do ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), e outros.

Também participou da videoconferência o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que descumpriu recomendações das autoridades sanitárias e apareceu para trabalhar apenas uma semana depois deter sido diagnosticado coma Covid-19.

GOVERNADORES SE REÚNEM

À tarde, durante videoconferência, 26 governadores pediram em carta conjunta a adoção de “bom senso, equilíbrio e união” para impedir o avanço da Covid-19. O texto evitou o confronto com o presidente e o convidou a agir em sintonia.

Mas reafirmou a disposição de promover ações tendo como referência o que preconizam “organizações médicas o que vai na contramão do que Bolsonaro defendeu na noite de terça-feira.

Os governadores pediram a suspensão por um ano da dívida dos estados com governo e bancos estatais e a abertura de créditos no BNDES para aplicação em Saúde. Pleitearam também que o banco alargue o prazo para pagamento de dívidas de empresas; que o governo reduza a metade superávit primário e viabilize recursos aos estados, além de aprovar a renda mínima para população vulneráveis. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia estava presente.