O globo, n. 31643, 26/03/2020. Especial Coronavírus, p. 14

 

Estudo indica avanço rápido em SP, Rio e Brasília

Ana Lucia Azevedo

26/03/2020

 

 

A Covid-19 avança mais depressa no Brasil do que a maioria das previsões indicava. As mais recentes análises da evolução da epidemia, apresentadas ontem, apontam uma situação gravíssima à medida que a pandemia se estabelece nas capitais e nos municípios do interior.

Análises do especialista em modelagem computacional Domingos Alves, líder do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), que trabalha com vários pesquisadores de universidades no Brasil, indicam que nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília o vírus se propaga mais rapidamente do que se projetava há 20 dias.

Somadas, as três poderiam chegar a 16 mil casos já na próxima semana. Porém, medidas de isolamento social podem reduzir esse número.

“Estamos vivendo uma crise sem precedentes na saúde pública mundial. As medidas restritivas adotadas em diversos países baseadas nos estudos científicos vêm dando resultados concretos. Acreditem na ciência! Ela pode nos ajudar a reduzir o sofrimento e salvar vidas. Permaneçam em casa”, diz um artigo também divulgado ontem e assinado por alguns dos mais respeitados e experientes especialistas em saúde do país.

O texto é assinado por Afrânio Kritski (UFRJ), Domingos Alves (USP), Guilherme Werneck (UFRJ), Mauro Sanchez (UnB), Rafael Galilez (UFRJ), Roberto Medronho (UFRJ) e Ivan Zimmermann (UnB).

Segundo o Ministério da Saúde, o número de pessoas diagnosticadas no Brasil subiu para 2.555, e o total de mortes chega a 59. Das 13 novas mortes registradas ontem, três são as primeiras fora do Sudeste: uma no Amazonas, uma em Pernambuco e uma no Rio Grande do Sul. O Rio de Janeiro é o segundo estado com mais casos e mortes, após São Paulo.

EIXOS DE DISSEMINAÇÃO

A projeção mostra que São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília atuam como eixos de disseminação para outras partes do país. O cenário atual sugere que estamos à frente de uma situação de gravidade sem precedentes na história recente do Brasil, destacam os cientistas.

Os pesquisadores chamam a atenção para o fato de Brasília, apesar de ter um número menor de casos em relação a São Paulo, apresenta um risco de infecção maior quando se leva em consideração o tamanho da população que pode contrair a infecção, e não apenas a contagem de casos.

Considerando não apenas o número de casos confirmados de Covid-19, mas o risco inerente à população de cada cidade, as projeções indicam que o número de casos em Brasília poderá, nas próximas semanas, superar o registrado em São Paulo, com mais de 10 mil pessoas infectadas.

Um relatório do grupo de pesquisa da EMAp/FGV e Fiocruz reforça o papel das cidades na dispersão. Esse trabalho identifica que a alta conectividade aérea das capitais São Paulo e Rio de Janeiro coloca essas cidades como polos de disseminação.

Segundo esse estudo, os centros urbanos das regiões Sul e Sudeste, além de Recife e Salvador, têm grande probabilidade de acumular casos graves em curto prazo.

Domingos Alves explica que as projeções se baseiam nos dados disponíveis até o momento, e que podem ser revisadas à medida que novas informações se tornem acessíveis.

Os pesquisadores salientam que é estratégico para os gestores locais e para a população conhecer a progressão do número de casos confirmados, suspeitos, mortes e de pessoas que se recuperaram, em nível municipal e estadual.

Eles destacam que “é fundamental que o governo federal mantenha o acesso de informações da Covid-19, suspenso desde 21 de março , de modo que as universidades, institutos de pesquisa e organizações das Forças Armadas possam auxiliar no monitoramento da transmissão da Covid-19 e informar aos gestores e à população geral sobre as perspectivas futuras e a revisão de medidas de combate”.

Frisam que “qualquer atraso na implementação das ações pode implicar em repercussões muito graves, com número crescente de óbitos e aumento substancial da dificuldade para controle da transmissão. Por isso, é fundamental que todos fiquem em casa. Reiteramos a importância da ciência para a manutenção da vida humana”.