O globo, n. 31643, 26/03/2020. Especial Coronavírus, p. 19

 

Vulneráveis na pandemia

Thayz Guimarães

26/03/2020

 

 

Refugiados têm meios precários de prevenção

Lavaras mãos com água e sabão e evitar contato social. Duas medidas simples, mas que fazem toda a diferença no controle do novo coronavírus —desde que você possa colocá-las em prática. Hoje, mais de 70 milhões de pessoas estão em situação de deslocamento forçado no mundo, das quais pouco menos da metade vive em campos de refugiados ou abrigos, em geral superlotados e onde o acesso à rede de esgoto e à água tratada é precário.

Em Moria, na ilha grega de Lesbos, por exemplo, cerca de 20 mil refugiados, a maioria sírios, vivem em um espaço projetado para 3 mil. Segundo a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), em Moria não há produtos para a higiene das mãos, e famílias de cinco ou seis integrantes precisam dormir em um espaço de três metros quadrados.

Organizações internacionais têm alertado para a vulnerabilidade dessas populações na pandemia da Covid-19, que até ontem atingiu 182 países, com mais de 450 mil contaminados e 20.647 mortes.

—Oitenta e cinco por cento da população refugiada no mundo vive em países em desenvolvimento, muitas vezes em áreas remotas e cujos sistemas de saúde são fracos —disse ao GLOBO José Egas, representante no Brasil do Acnur, a Agência da ONU para Refugiados.

— É urgentemente necessário apoio internacional para ajudar os países que acolhem refugiados a intensificar os serviços para eles e para as comunidades locais. Isso irá beneficiara saúde de todos.

Para Jan Egeland, secretário-geral do Conselho para Refugiados da Noruega, as consequências serão “catastróficas” caso o vírus se alastre pelos acampamentos. “Milhões de pessoas afetadas por conflitos vivem em campos lota dosem condições desesperadoras de falta de higiene e saneamento”, disse Egeland em um comunicado.

 ROHINGYAS E SÍRIOS

Segundo o Acnur, que, em parceria com outras organizações e governos locais, organiza a maioria dos campos ao redor do mundo, por enquanto foram confirmados apenas 11 casos de refugiados com o vírus, todos na Alemanha. A instalação onde eles estão foi isolada e “eles estão sendo tratados clinicamente como qualquer cidadão alemão”.

— O Acnur tem pedido aos países que suas respostas ao novo coronavírus sigam os padrões humanitários e incluam as pessoas refugiada sequem busca proteção internacional. Isso inclui o acesso aos sistemas de asilo de um país, anão devolução para seus países de origem e o acesso aos serviços de saúde disponíveis para a população local —disse Egas.

Em Bangladesh, onde vivem 855 mil rohingyas, minoria muçulmana perseguida por Mianmar, a situação é delicada. Segundo um relatório da Acaps —projeto independente de avaliação de necessidades humanitárias —a densidade populacional nos 34 campos de refugiados no país é de 40 mil pessoas por quilômetro quadrado, mais de seis vezes a da cidade de Wuhan (6 mil), na China, foco inicial da pandemia.

“A alta densidade populacional nos campos de refugiados, a falta de higiene, as instalações de saúde insuficientes e a incapacidade de se auto isolar significam que o risco de contaminação nos campos é alto”, aponta o relatório.

O mesmo se dá na Síria, on-de o primeiro caso da Covid-19 foi confirmado no último domingo. Agentes humanitários e de saúde acreditam que o vírus já tenha se espalhado pelas províncias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o vírus deve chegar nos próximos dias a Idlib, último bastião dos grupos arma-dos de oposição a Basharal-Assad. Em Idlib vivem 3,5 milhões de pessoas, das quais 2,5 milhões são deslocados da guerra civil que dura uma década. Lá, eles vivem amontoados em campos como Atmeh, quete mentre 500 mile 800 mil habitantes, ou em assentamentos informais ao longo das estradas, sem água corrente.

Na semana passada, a União Europeia fechou suas fronteiras por 30 dias, para tentar frear o avanço da pandemia. José Egas chama a atenção para a necessidade de o acolhimento de estrangeiros em situação de risco não ser interrompido, ainda que reconheça a “excepcionalidade” do momento atual.

A situação também é complicada na fronteira entre EUA e México, por onde circulam imigrantes e solicitantes de asilo. Sob o programa Fique no México, em vigor desde 2019, o governo de Donald Trump devolve ao país vizinho pessoas que aguardam a análise do seu pedido de asilo nos EUA.Os devolvidos ficam em albergues precários, e ONGs locais temem que isso, somado à falta de planejamento do governo do México, transforme esses locais em uma panela de pressão.

— Atualmente não existe uma estratégia ou protocolo binacional de atendimento e coordenação das autoridades— disse ao jornal El País um representante da Coalizão de Defesa dos Migrantes do estado mexicano da Baixa Califórnia.

— Não temos espaços físicos para criar uma ala especial de atendimento para um possível caso de coronavírus.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Exército ativa emergência para venezuelanos em Roraima

26/03/2020

 

 

Com fronteira fechada, hospital de campanha é transferido para Boa Vista

 A Operação Acolhida, responsável por gerenciar os 12 abrigos que acolhem 5 mil imigrantes e refugiados venezuelanos em Roraima, ativou na última sexta-feira um Plano Emergencial de Contingenciamento para a Covid -19. Segundo o coronel Carlos Cinelli, chefe do Estado-Maior Conjunto da operação, um dos objetivos é prevenir a disseminação do vírus e, uma vez detectada a contaminação, oferecer o tratamento adequado.

— Avistamos isso [a epidemia] em dezembro, então já tínhamos um plano de contenção. Com a escalada da crise, começamos a correr contra o tempo. Nos valendo da expertise de profissionais acostumados a situações de crise e considerando a precariedade do sistema de saúde de Roraima, chamamos o problema para nós —disse ele ao GLOBO.

Como a fronteira coma Venezuela está fechada por pelo menos 15 dias, desde 18 de março, e o processo de interiorização dos venezuelanos também está bloqueado, a operação tem concentrado esforços em atendera população dos abrigos de Boa Vista. Uma das medidas foi a transferência do hospital de campanha que havia em Pacaraima, na fronteira, para a capital, junto com os militares que lá atuavam.

—Os venezuelanos não têm para onde ir. Mas tomamos providências para separar os espaços — são pequenas casinhas moduladas — e também medidas de profilaxia. Caso o vírus chegue, estamos preparados para atendera demanda —disse o coronel.

Segundo ele, a estrutura física do hospital já está pronta, mas faltamos insumos, que estão sendo providenciados pelo governo do estado, a Prefeitura de Boa Vista e agências humanitárias. O hospital conta com uma área de quarentena, outra de proteção para casos suspeitos e uma terceira de tratamento dos pacientes. Há cerca de 80 leitos disponíveis, mas a capacidade será ampliada à medida que os insumos forem chegando.

Além dos 600 militares da Operação Acolhida, 115 profissionais da ONU e de organizações como a Médicos Sem Fronteiras se juntaram ao esforço. Cinelli disse que a operação está se preparando para receber demanda de saúde não apenas dos venezuelanos.

Oito casos da Covid-19 foram confirmados em Roraima. Não há registro de contaminados entre os venezuelanos. Embora os 12 abrigos operem quase na capacidade máxima, o coronel afirmou que há planejamento para um possível aumento da demanda, se a fronteira for reaberta.

— Temos um plano de contingência anterior ao do coronavírus para caso o fluxo migratório aumente exponencialmente.