O globo, n. 31643, 26/03/2020. Economia, p. 25

 

Nas mãos do governo

João Sorima Neto

Pedro Capetti

Cássia Almeida

26/03/2020

 

 

Economistas defendem maior gasto público com empresas e trabalhadores

 Economistas que sempre foram favoráveis ao controle rígido das contas públicas ressaltam a importância de salvar vidas e que,na crise do caminho para isso é aumentar gastos do governo federal. O objetivo é socorrer pequenas empresas, trabalhadores que perderam renda e até os estados, com postergação do pagamento das dívidas com a União. Eles destacam que é hora de o Estado agir, já que a solução está nas mãos do próprio governo.

Os especialistas alertam, entretanto, que os gastos extras devem acontecer apenas enquanto durar a pandemia. Assim que o problema for vencido, o governo terá que retomar uma política de ajuste das contas, com sinais claros de comprometimento com as reformas e as metas fiscais.

O economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do governo Lula, e atual presidente do Insper, observa que a regra do teto de gastos — que limita o crescimento das despesas da União —não impede o governo de aumentar gastos em cenário de calamidade, como é o atual. Lisboa, um defensor da redução do tamanho do setor público e do ajuste fiscal, avalia que é preciso que o governo ajude pessoas desassistidas, trabalhadores que perderam renda.

—Alei dote todos gastos prevê exceção em caso de calamidade. São os créditos extraordinários, que podem ser usados em cenários de guerra, como o atual. Mas, quando acabara epidemia, os gastos extraordinários precisam parar —avalia Lisboa.

Ex-ministro da Fazenda, Maíl sonda Nóbregaéafav ordo aumento de gastos.

—Em primeiro lugar, está o objetivo de salvar vidas; em segundo lugar, de pôr o dinheiro nas mãos das pessoas, particularmente as de renda mais baixa, as menos favorecidas. Em terceiro lugar, está salvar as empresas de uma quebra, esse éo objetivo terceiro, oprime iroé salvar vidas. Op residente parece dara impressão de que prefere contar os mortos do que contar os desempregados —disse ao Jornal Nacional em uma referência ao pronunciamento do presidente.

O sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho, defende a liberação irrestrita de recursos para a população passar o vendaval:

—O governo terá que acudir. No mundo inteiro estão fazendo isso. Alemanha injetou € 866 bilhões, os EUA mais US$ 2 trilhões. Tem que entrar com medidas de qualquer tipo. Até a famosa emissão de moeda se justifica numa hora dessa.

Para ele, o governo já deveria “ter saído do plano da promessa”:

—Tem que passar o recurso logo, caso contrário teremos um problema social grave, com desdobramento político que não dá para prever. Tem de deixar o manual do Banco Central (BC) de lado por algum tempo e oferecer título público, emitir moeda, fazer transferência direta.

Em entrevista ontem à GloboNews, o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, concorda que a prioridade agora é salvar vidas e garantir renda à população:

— Se a mortalidade subir, a gente vai ter uma recessão ainda maior, mais grave do que aquela que é causada pelo distanciamento social. Esquece a questão fiscal, não que ela não seja importante, na verdade ela vai ficar mais importante, mas não é o problema agora. Em um paralelo coma Segunda Guerra, você tem que derrotar Hitler, você vai realmente ficar preocupado com quanto vai custa risso? Não, você vai derrotar Hitler do jeito que for. Agente vai ter que garantir que as pessoas continuem a receber renda, que empresas tenham acessoa crédito para a gu ent ar 3,4,5,6 meses de um período muito difícil.

Lisboa, do Insper, também co brau macota de sacrifício do setor público, o único anão empobrecer até agora:

— Não vai contribuir com nada? A proposta de corte de parte dos salários do funcionalismo é oportuna. Mas os estados precisam ajustar as contas. O que estão pedindo ao governo federal é muito alto. O país todo mais empobrecido vai ter que trabalhar mais para sustentar o setor público?

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que a injeção de recursos por parte do governo será a única saída para superar acrise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus:

—O setor privado ficará impotente para reagir enquanto acrise durar. O setor público tema possibilidade de injetara demanda na economia, tem uma fonteil imitada, que é a emissão monetária. Não há como preços subirem por excesso de demanda, quando o mundo está com falta dela.

MEDIDAS INÉDITAS

Velloso concorda que o país só sairá dessa crise coma liberação de recursos extraordinários para proteção da população em situação de maior vulnerabilidade. Ele afirma que devem ser criados mecanismos jurídicos para facilitar que os recursos anunciados pela equipe econômica cheguem no bolso dos brasileiros de maneira mais rápida:

—Para crises inéditas, precisamos de medidas inéditas. É irrelevante o tamanho da conta por seis meses. Podem ser R$ 150 bilhões ou R$ 300 bilhões. O foco agora deve ser na expansão da capacidade de gastar, de fazer o dinheiro chegar no bolso de quem precisa.

Segundo Velloso, ao final das restrições de mobilidade impostas na tentativa de achatar acurva de disseminação da pandemia, será necessário reativar o investimento público em infraestrutura para fazer a economia voltara girar:

—A economia já está parando, a ameaça é de uma depressão. Até o início do século XX, não houve nenhum período de retração de dois anos maior do que a recessão do biênio 2015-2016, de cerca de 8%. Agora vamos ver uma queda dessa ou maior em um ano.

Um levantamento da consultoria Tendências mostra que o governo já anunciou 40 medidas nos últimos sete dias, que totalizam algo próximo a R$ 345 bilhões, ou 4,7% do PIB. Deste total, R$ 132,3 bilhões possuem impacto fiscal ainda este ano. Numa simulação feita pela Tendências, supondo que todas as medidas sejam implementadas, o déficit primário subiria dos esperados R$ 124 bilhões para R$ 256,3 bilhões, o que seria o maior rombo da História.

— A gravidade da crise demanda forte atuação pública e isso implica aumento do déficit e da dívida. Cabe ao governo comunicar seu comprometimento com regras fiscais e retomada das reformas, superada a fase aguda da crise—diz Fábio Klein, da Tendências.

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‘O que foi anunciado até aqui é pífio’, diz especialista

Pedro Capetti

26/03/2020

 

 

Um dos responsáveis pela Lei de Responsabilidade Fiscal, José Roberto Afonso afirma que elevar gastos públicos é única saída

 Um dos responsáveis pela criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), afirma que a expansão do gasto público para combater os efeitos da pandemia do novo coronavírus na economia é a única alternativa para reativála, ou corremos o risco de uma depressão, um quadro que se caracteriza pela piora do cenário, com queda no PIB, aumento do desemprego, entre outras variáveis.

O economista classifica como “pífia” a injeção de recursos anunciada pela equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Simulações da consultoria Tendências estimam que as ações cheguem aR $345 bilhões, o equivalente a 4,7% do PIB. As turbulências políticas dos últimos dias, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, atrasam a possibilidade de saída da recessão, segundo ele.

— Cabe ao governo calcular (quanto é necessário para sair da crise). O que foi anunciado até aqui é pífio comparado a outros governos —diz.

—Aumentar gastos é inevitável para se defender da guerra. Mais do que nunca precisamos de mais estudos e debates técnicos. Infelizmente, apolítica está retardando ou atrapalhando.

Afonso propõe que aprioridade dos gastos seja a área da saúde, com intuito de reduzira expansão do vírus. Ele afirma ser necessário, ainda, investir na proteção dos trabalhado resmais vulneráveis enos mais de 46,7 milhões de informais:

— É preciso que os governos gastem mais, a começar na emergência da saúde, depois para proteger os desassistidos, para reativara economia. Se conseguirem faze risso ao mesmo tempo, será melhor ainda.

Para o economista, as legislações que funcionam como uma espécie de “trava” fiscal, como a LRF, que completa 20 anos este ano, e o teto de gastos, que limita a expansão das despesas da União à inflação do ano anterior, não impedem que gastos sejam feitos em situações extraordinárias, como de guerra ou de calamidade.

Perguntado se o gasto do governo pode ser prolongado e sair do controle, Afonso diz que não vê esse risco:

— Não há risco de sair do controle. É certo que será um gasto prolongado, mas, se não gastar, é maior ainda a certeza de que o país entrará em depressão. O maior compromisso fiscal hoje é salvar vidas.