Correio braziliense, n. 20801 , 05/05/2020. Política, p.5

 

Mourão também critica STF

Augusto Fernandes

05/05/2020

 

 

TENSÃO » Vice-presidente diz que cada Poder da República deve "navegar dentro dos limites da sua responsabilidade", descarta um movimento golpista dentro das Forças Armadas e reitera o compromisso de Bolsonaro com a democracia

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, criticou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de recentes decisões da Corte que barraram atos tomados pelo presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação de Mourão, “cada um tem que navegar dentro dos limites da sua responsabilidade”. “Os casos mais recentes, que foi da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, a questão dos diplomatas venezuelanos (o governo brasileiro tentou expulsá-los, mas foi impedido), eram decisões que são do presidente da República. É responsabilidade dele, é decisão dele escolher seus auxiliares, assim como chefe de Estado ele é o responsável pela política externa do país”, afirmou o vice-presidente, em entrevista à Rádio Gaúcha.

Para o vice-presidente, “os Poderes têm que buscar se harmonizar mais e entender o limite da responsabilidade de cada um”. “Hoje existe uma questão de disputa de poder entre os diferentes poderes, existe uma pressão muito grande em cima do poder Executivo", frisou.

Em relação aos atos do último domingo, Mourão minimizou as palavras de Bolsonaro, que avisou ter chegado “ao limite”, que não haveria mais conversa e que tem o apoio das Forças Armadas. “Quando o presidente se refere ao apoio das Forças Armadas, é o apoio institucional à pessoa dele como chefe de Estado e chefe de Governo”, disse.

Mourão reiterou que não existe risco de uma intervenção militar no Brasil. “Não vejo motivo nenhum. Em primeiro lugar porque, naquela manifestação, assim como tinha gente que pedia ou propunha ideias mais radicais e que no final das contas não param em pé, tinha uma maioria que estava pura e simplesmente para apoiar o governo do presidente Bolsonaro. Então, ela é uma manifestação com pessoas que professam, vamos dizer assim, diferentes versões do que julgam necessário”, alegou.

O vice-presidente ainda enfatizou que Bolsonaro é fiel ao ideal democrático. “Ele tem um compromisso que ele jurou aí defender a Constituição. Ele não vai ultrapassar esses limites, ele deixa isso bem claro. A gente tem de se balizar muto mais pelas ações do que muitas vezes pelas palavras que são ditas em um momento de maior exaltação”, disse.

 Nota da Defesa

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, também se pronunciou após os atos antidemocráticos de domingo. Em nota, afirmou que as Forças Armadas “cumprem a sua missão constitucional” e que elas “estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. O comunicado foi divulgado um dia depois das manifestações que, além de apoiar do presidente Jair Bolsonaro, exigiam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma intervenção militar no país. Durante o ato, Bolsonaro afirmou que “chegou ao limite”, e que “as Forças Armadas estão ao nosso lado”.

Na nota oficial, Azevedo destaca que “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País”.

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Sob ataque, uma corte dividida

Jorge Vasconcellos

05/05/2020

 

 

Alvo mais recente da metralhadora giratória do presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) está dividido em meio à crise institucional na Praça dos Três Poderes. O presidente da Corte, Dias Toffoli, que já foi criticado internamente pela relação de proximidade com o chefe do Executivo, não vê com bons olhos a avalanche de derrotas impostas pelos colegas ao governo. Além de questionar a pertinência das decisões, ele considera que elas impulsionam a onda de ataques ao tribunal.

Toffoli tem criticado o que classificou como “ativismo judicial” de alguns ministros, segundo a coluna de Monica Bergamo na Folha de S.Paulo. Ele ficou especialmente contrariado com a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para a direção-geral da Polícia Federal. O presidente do STF foi pego de surpresa com o despacho de Moraes, já que ele esperava que o ministro daria uma chance para que Bolsonaro fosse convencido, por meio do diálogo, a buscar outro nome para o comando da PF.

Outra decisão que incomodou o presidente do Supremo foi do ministro Luís Roberto Barroso, que suspendeu, em decisão liminar, a expulsão de diplomatas venezuelanos do Brasil.

Voz minoritária

Há também outros despachos recentes no STF que contrariaram interesses da família do presidente da República, como a negativa do ministro Gilmar Mendes a um pedido do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para impedir a prorrogação dos trabalhos da CPI Mista das Fake News. O filho de Bolsonaro é apontado pela comissão como suspeito de integrar uma “milícia virtual” dedicada à disseminação de notícias falsas contra adversários do governo.

Entre os ministros do STF, Toffoli é praticamente o único próximo ao chefe do governo. Em maio do ano passado, por exemplo, ele foi criticado pelos colegas por ter firmado com Bolsonaro e os presidentes das duas Casas do Congresso o Pacto pelo Brasil. O acordo estabeleceu entre os Poderes uma série de compromissos, principalmente a aprovação das reformas. Para ministros do STF, Toffoli não poderia ter firmado um pacto em nome dos demais representantes do tribunal. Além disso, argumentaram que as reformas certamente acabariam sendo alvo de ações judiciais na Corte.

 Em meio à divisão no STF, a expectativa agora em Brasília é pela análise, no plenário da Corte, da liminar de Alexandre de Moraes que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF. O julgamento ainda não foi marcado. Apesar de os ministros saírem em defesa de Moraes, após ataques proferidos contra ele por Bolsonaro, parte deles discorda da liminar, por entenderem que se trata de uma interferência em outro Poder.