Correio braziliense, n. 20804 , 08/05/2020. Política, p.2/3

 

Jogo de cena para emparedar STF

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Renato Souza

08/05/2020

 

 

Bolsonaro leva empresários ao Supremo e faz pressão para que a Corte amenize medidas de isolamento social decretadas por estados. Toffoli defende que União crie comitê com entes federativos, empresas e trabalhadores para retomar a atividade econômica

Em uma atitude inesperada, e que pegou de surpresa até o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro reuniu um grupo de empresários, atravessou, a pé, a Praça dos Três Poderes e foi até a Corte pressionar os magistrados por uma reabertura econômica em meio à pandemia do novo coronavírus. Num momento em que o país vê a aceleração do número de novas infecções, que chegam à média de 10 mil por dia, e novos registros de mortes — passam de 600 a cada 24 horas —, o chefe do Executivo se encontrou com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, e pediu que o tribunal atue para que o setor produtivo retome as atividades. Além dos pedidos do chefe do Planalto, o ministro ouviu o tema ser reverberado por representantes das classes empresariais.

A visita de Bolsonaro, fora da agenda dele e de Toffoli, gerou enorme desconforto e críticas entre os ministros do Supremo. A reunião foi transmitida ao vivo pela página do presidente no Facebook, para seus milhões de seguidores, o que gerou pressão extra contra a Corte, já alvo de protestos de apoiadores do governo. O Planalto tem sofrido seguidas derrotas no tribunal. Uma delas foi a decisão dos ministros de que os estados e municípios têm autonomia para decidir sobre medidas restritivas de combate à disseminação do coronavírus.

Durante a conversa, que durou pouco menos de 40 minutos, Bolsonaro disse que “a nossa união e a coragem para enfrentar (a pandemia) é o que podem evitar que o país mergulhe numa crise econômica que dificilmente poderá sair dela”. “Nós, chefes de Poderes, temos de decidir. Nós temos um bem muito maior do que a nossa própria vida, se me permite falar isso, que é a nossa liberdade. Nós não podemos perder a liberdade do Brasil, não podemos ver, mais cedo ou mais tarde, a continuar como está caminhando a questão econômica, assistindo a saques”, frisou.

Ele voltou a afirmar que “o efeito colateral do vírus não pode ser mais danoso do que a própria doença”. “Todos estamos embarcados buscando o objetivo de resolver este problema, porque economia também é vida. Não adianta ficarmos em casa e, quando sairmos, não ter o que comprar nas prateleiras. Todos nós seremos esmagados por isso”, alertou.

Fora da reunião, o presidente disse que “a gente não pode ficar do lado de cá, de atravessar a rua esperando decisões do Supremo, porque, às vezes, são boas e outras, a gente não concorda”. “Toffoli concorda que a responsabilidade é de todos nós e temos de buscar alternativas”, salientou.

Coordenação

No encontro, Toffoli manteve a posição de que o Poder Judiciário já está fazendo seu papel ao garantir direitos pessoais e coletivos e decidir impasses envolvendo a crise. Ele defendeu que a União crie um comitê em conjunto com estados, municípios, empresários e trabalhadores para retomar a atividade econômica.

De acordo com o ministro, é necessário avaliar a melhor forma de estabelecer o retorno das atividades. “Essa coordenação, que eu penso que o Executivo, o presidente da República, com seus ministros, chamando os outros Poderes, chamando os estados, representantes de municípios, penso que é fundamental”, destacou. “Talvez, um comitê de crise para, envolvendo a Federação e os poderes, exatamente com o empresariado e trabalhadores, a necessidade que temos de traduzir em realidade esse anseio, que é o anseio de trabalhar, produzir, manter a sociedade estruturada.” Toffoli se mostrou incomodado durante a reunião. Ele e Bolsonaro, apesar de sentarem um ao lado do outro, fixaram os olhares nos demais participantes do encontro.

Nos bastidores, ministros viram uma tentativa de lançar pressão midiática sobre o tribunal, principalmente em razão da transmissão ao vivo do encontro pelas redes sociais. Um dos magistrados afirmou que o ato do presidente ocorre para “tentar dividir responsabilidades” com o Poder Judiciário diante da crise que pode levar a uma recessão econômica. No entanto, ele entende que o papel do STF não é planejar ou avaliar previamente os atos do Executivo, mas, sim, manifestar-se apenas quando provocado. “Se o presidente abrir os segmentos essenciais, e isso for questionado, o Judiciário vai ouvir a ciência, as autoridades sanitárias, sem prejuízo de uma postura consequencialista: vai mesmo faltar alimento? Aí, isso precisa ser ponderado. É importante lembrar que o Supremo não é o presidente apenas, são 11 ministros que julgam conforme os fatos postos”, frisou.

Convocação

No Palácio do Planalto, o grupo de 15 empresários traçou um cenário preocupante e disse ter planos de como poderia retomar a atividade econômica. Foi nesse momento que Bolsonaro questionou os presentes se concordariam em atravessar a Praça dos Três Poderes e ir até o STF apresentar os mesmos dados. Os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo (Defesa) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, integraram a comitiva. Mais tarde, Bolsonaro frisou que tomou aquela atitude porque não poderia ficar “esperando” de braços cruzados uma decisão do Supremo.

Frase

"A indústria, a atividade comercial, está na UTI. Não há mais espaço para postergar. Há dois meses, eu venho falando que a economia não pode parar, porque a economia também é vida”

Jair Bolsonaro, presidente da República

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Toffoli: "País conduziu muito bem a situação"

08/05/2020

 

 

Ao lado do chefe do Planalto, Jair Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou que o Brasil conseguiu conduzir “muito bem essa situação” do enfrentamento ao novo coronavíru. “Apesar daquilo que aparece na imprensa, uma coisa aqui e ali, a verdade é que as instituições funcionaram. Os ministérios funcionaram, o SUS (Sistema Único de Saúde) funcionou, as medidas que o governo adotou e o Congresso Nacional aprovou, adequou, melhorou ou de alguma forma também sancionou, foram medidas extremamente importantes para que o país não entrasse em situação de calamidade pública”, disse.

Apesar da declaração do presidente do Supremo, diversas cidades brasileiras decretaram estado de calamidade pública durante a pandemia da covid-19. Além disso, estados como Amazonas já enfrentam colapso do sistema de saúde. Esta semana, o Ministério da Saúde reconheceu que o pico do novo coronavírus deve ocorrer entre maio e julho.

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Entre a repovação e o apoio

Alessandra Azevedo

08/05/2020

 

 

Parlamentares condenam a pressão feita pelo presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal. Empresários admitem que não dá para liberar todos os setores, mas acreditam que alguns podem funcionar

A visita do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de empresários, ontem, não foi bem-vista pela grande maioria dos parlamentares que se posicionaram sobre o assunto. A principal crítica foi à pressão contra a Corte para que permita que o Planalto interfira nas medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos diante da crise da covid-19.

Para o líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), ficou claro que o presidente não respeita a Constituição e a autonomia dos Poderes. “Ele é o responsável pelo momento mais grave da pandemia, com mais de 8 mil mortos”, acusou. Na opinião da líder do PSol na Câmara, Fernanda Melchionna (RS), a visita mostrou que “os únicos sinais vitais que lhes interessa é o do lucro dos milionários empresários brasileiros”.

Alguns congressistas alegaram que o discurso de afrouxamento das medidas restritivas não é positivo nem para a economia. “Quanto mais ele desestimula o isolamento, mas ele estimula a curva de contágio, e mais atrasa a reabertura do comércio. No fim, é ele que está matando a economia”, disparou o líder do PDT no Senado, Weverton (MA).

Parlamentares próximos a Bolsonaro, entretanto, afirmaram que a preocupação com a economia é razoável. Defensor do fim do isolamento, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania, chamou a quarentena de “inútil”.

Alguns setores da economia acreditam que é preciso avaliar caso a caso, mas consideram razoável o decreto assinado por Bolsonaro depois do encontro, no qual coloca indústria como atividade essencial. Comércio e serviços, por exemplo, demandam medidas parecidas. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, acredita que “alguns lugares já poderiam abrir as portas”. “Mas a gente quer fazer isso com transparência, conhecendo a situação da saúde em cada local”, explicou.

Para ele, bares e restaurantes devem ser considerados serviços essenciais. “Não para que a gente possa liberar para todo mundo, porque varia de cidade para cidade, mas um decreto desse ajuda, por exemplo, para que os estabelecimentos não tenham água e luz cortadas”, frisou.

O presidente da Associação das Indústrias de Brinquedos, a Abrinq, Synesio Batista, que participou do encontro no STF, disse que a conversa foi feita a pedido de Bolsonaro. Ele afirmou, porém, que os empresários não apresentaram qualquer reivindicação à Corte. “A indústria não tem que pedir nada (ao STF). Nosso ambiente de relacionamento empresarial é com o Executivo, não é com a Corte máxima”, observou. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, as demandas só foram levadas até o Supremo porque Bolsonaro ficou “preocupado” com o relato dos industriais.