Correio braziliense, n. 20805 , 08/05/2020. Política, p.4

 

Promessa de veto a reajuste

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Renato Souza

08/05/2020

 

 

Bolsonaro diz que seguirá "a cartilha de Paulo Guedes na economia" e vai retirar trecho do projeto de ajuda aos estados que permite aumento para categorias do funcionalismo público. Ministro repete que servidores têm de dar "contribuição" ao país

Em um alento ao ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro prometeu, ontem, vetar a proposta do Congresso que permite o reajuste salarial de algumas carreiras do funcionalismo público, apesar da delicada situação financeira do país causada pela pandemia da covid-19. Anteriormente, ele havia dado aval para que o parlamento aprovasse a medida. No entanto, voltou atrás e justificou que segue “a cartilha de Paulo Guedes na economia” e que “se ele acha que deve vetar, assim será feito”.

“Nós devemos salvar a economia, porque economia é vida. Certas medidas minhas não agradam, mas eu sou chefe do Executivo para tomar decisões. E tomo ouvindo meus ministros. Nessa área (da economia), o senhor Paulo Guedes é o senhor da razão, e nos vetaremos: 99%, é o Paulo Guedes que decide; 1%, sou eu”, afirmou Bolsonaro. O presidente ainda falou que precisa “ter responsabilidade na sanção ou no veto”.

“Não fazemos vetos políticos. Tem que ver a questão de constitucionalidade e a adequação financeira. É dessa forma que são feitos os vetos. Se sancionar, por exemplo, um projeto que não tem dotação orçamentária, posso ser incurso na Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa é a preocupação”, explicou.

A proposta aprovada no Congresso reduziu de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões a estimativa de economia por parte do governo com o congelamento da remuneração de servidores públicos pelos próximos 18 meses. O retorno à previsão inicial de arrecadação só será efetivado caso o Legislativo não derrube o veto anunciado por Bolsonaro. De todo modo, Guedes frisou que o funcionalismo público precisa dar uma parcela de “contribuição” ao país diante da pandemia.

O ministro disse que os servidores públicos têm estabilidade de emprego, ao contrário de muitos brasileiros, e salários acima dos trabalhadores da iniciativa privada. “Com dois anos sem aumento, estamos falando de R$ 130 bilhões que poderiam ser usados, justamente, em outras atividades. Poderiam ser usados para salvar vidas, poderiam ser usados, às vezes, para estender um programa social qualquer”, frisou. “E não é justo que, em um momento como este, dramático, da população brasileira... E a opinião pública pede isso, quer isso (o congelamento dos salários do funcionalismo público).”

Guedes lamentou que o parlamento “não fechou a porta para esses aumentos”. “Eu estou sugerindo ao presidente que vete, que permita que essa contribuição do funcionalismo público seja dada. Para o bem de todos nós e o bem deles também, perante a opinião pública”, ressaltou. “A população brasileira que pede essa contribuição. Isso é um dinheiro que vai faltar para a saúde mais tarde. Se quisermos salvar companhias importantes no futuro do Brasil, não vai ter esse recurso. Na hora em que o país tem uma crise como essa, que sacrifício ou contribuição podemos dar para a nação? Não é aproveitar que o gigante caiu e ver o que pode tirar dele. A pergunta de sempre é como vamos contribuir, e não o que podemos tirar”, enfatizou.

Derrubada

O passo atrás dado por Bolsonaro repercutiu entre parlamentares. Na quarta-feira, quando o Congresso encaminhou o reajuste para servidores da área de saúde, segurança e mais oito carreiras, o presidente tinha negociado com o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), para que o congelamento não atingisse todos os setores.

Diante da disparidade, deputados e senadores já falam em derrubar o veto. “A matéria foi amplamente discutida no Congresso. Bolsonaro não tem noção do que isso significa para os trabalhadores, quer impor um sacrifício que ele mesmo não faz. O presidente (do Senado) Davi Alcolumbre precisa reunir o Congresso e debater os vetos imediatamente”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

“Afastamos do congelamento de salários, no texto do PLP 39/20, após 12h de sessão, os servidores da saúde, segurança pública e educação. Agora, Bolsonaro afirma que vetará tal dispositivo por pedido de Paulo Guedes. Dá para acreditar? Derrubaremos seu veto, presidente”, acrescentou o deputado Denis Bezerra (PSB-CE).

Apesar de desmandado por Bolsonaro, Major Vitor Hugo disse entender as razões do chefe do Executivo. “Sanção ou veto presidenciais são prerrogativas do presidente da República. Tenho certeza absoluta de que o presidente Bolsonaro tomará a melhor decisão quanto aos vetos no PLP de ajuda a estados e municípios”, disse o líder do governo na Câmara.

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Maia critica: "conflito de posições"

Sarah Teófilo

08/05/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou, ontem, que observa de forma clara um conflito de posições entre o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro. Ele referia-se ao congelamento de salário dos servidores que estava no projeto de socorro aos estados e municípios.

“Vemos no governo, nitidamente, um conflito de posições, que está ficando cada vez mais claro, entre o que pensa a equipe econômica e o que pensa o presidente da República. Na votação esta semana, ficou claro isso em relação ao artigo de excepcionalidade dos servidores. Ficou claro que, hoje, há uma divisão”, afirmou, em transmissão organizada pelo banco Santander para falar sobre ações do Congresso contra a pandemia.

A recomendação do Ministério da Economia era deixar de fora do projeto de congelamento de salário dos servidores públicos, durante a pandemia, a área da saúde e da segurança pública. A mudança nos grupos contemplados, no entanto, foi feita a pedido do próprio Executivo, segundo o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). Ontem, Bolsonaro disse que vetará o artigo do projeto aprovado no Congresso que garante os reajustes aos servidores públicos.

Maia aproveitou para criticar a proposta. “Congelamento em momento de queda de arrecadação não significa nada. O que a gente tem de discutir é outra coisa, é uma repactuação do tamanho do Estado brasileiro. Pode não ser agora, no meio da pandemia, estou de acordo. Tentei introduzir no início, fui tese vencida, e acho que esse não seja, talvez, o momento. Talvez a partir de junho”, destacou. “Congelar não é economizar. Só é economizar se a despesa estivesse mantida no mesmo patamar, o que não será um dado real. Então, não haverá economia com congelamento.”

Durante a transmissão, Maia afirmou que houve uma demora por parte do governo de calcular os impactos da pandemia no Brasil, mas ressaltou que o mesmo ocorreu no restante do mundo e disse que não era uma crítica ao Executivo.

Maia conta que em uma reunião, em 9 de março, com Guedes e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi possível ver “nitidamente, que os impactos na economia não estavam projetados ainda”. “Não estavam colocados, apesar de todo o alerta do ministro da Saúde e dos dados apresentados pelo Banco Central”, ressaltou.

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Vai ter churrasco no Alvorada

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

08/05/2020

 

 

A despeito das recomendações de distanciamento social feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tentar conter a disseminação do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro ensaia desrespeitar, mais uma vez, a autoridade sanitária e organizar um churrasco no Palácio da Alvorada, amanhã, para ministros e servidores da Presidência da República.

Mesmo com as aglomerações não sendo recomendadas, o presidente disse que vai “cometer um crime” para reunir os convidados. O evento, segundo ele, deve contar com cerca de 30 pessoas e ainda terá direito a uma partida de futebol.

“Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha, alguns ministros, alguns servidores mais humildes que estão do meu lado”, afirmou o presidente, na entrada do Palácio da Alvorada.

Ainda segundo o chefe do Executivo, será feita uma “vaquinha” para custear as carnes. No entanto, bebidas alcoólicas não serão permitidas, comentou. “Vai ter vaquinha de R$ 70. Não terá bebida alcoólica, se não, a primeira-dama coloca todo mundo para correr”, brincou.

O quadro da pandemia do novo coronavírus no país fica mais grave diariamente e, ontem, o Brasil chegou à marca de 9.146 mortos e 135.106 pessoas diagnosticadas com covid-19. Mesmo assim, o presidente minimiza a importância de evitar aglomerações, que facilitam a proliferação do patógeno.

Mais cedo, por exemplo, ele atravessou a Praça dos Três Poderes a pé, com ministros, parlamentares e empresários, para fazer uma reunião no Supremo Tribunal Federal (STF) com o presidente da Corte, Dias Toffoli. Bolsonaro não usou máscaras de proteção durante a travessia, tampouco dentro do tribunal, enquanto conversava com Toffoli.

O chefe do Executivo protagonizou outras aglomerações desde o início da pandemia. Além de passeios por regiões do Distrito Federal e visitas a lojas da capital federal — incluindo um episódio em que apertou a mão de um apoiador após limpar o nariz —, interagiu com uma multidão em uma visita às obras do hospital de campanha de Águas Lindas (GO), dedicado exatamente a atender pacientes com o novo coronavírus. Também esteve em um polêmico protesto no Setor Militar Urbano (SMU), em que os participantes pediram o fechamento do Congresso Nacional e do STF e uma intervenção militar, além de ter comparecido a recentes manifestações.

Na semana passada, Bolsonaro reuniu 25 parlamentares do PSL para um café da manhã no Alvorada. Chamou a atenção a aglomeração dos convidados em meio ao clima de confraternização. A maioria dos presentes não utilizou máscara nem antes nem após as refeições. Eles também não resguardavam distância entre as cadeiras e as mesas. (AF e IS)

R$ 70

Valor da “vaquinha” para custear o churrasco