Correio braziliense, n. 20804 , 08/05/2020. Brasil, p.7

 

Bloqueio Total chega ao Sudeste

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

08/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Com mais de 9 mil mortes e 135.106 casos confirmados, o lockdown se espalha pelo país, chegando a 18 cidades de cinco estados. Niterói é o primeiro município do Rio a adotar medida. Sob pressão do Ministério Público, Witzel e Crivella recebem, hoje, visita do ministro da Saúde

Após bater o recorde do aumento diário de mortes e casos do novo coronavírus esta semana, o Brasil confirmou, ontem, 610 novos óbitos e 9.888 casos da doença. Com isso, o país soma 9.146 mortes e 135.106 infectados pela covid-19. O aumento diário nos números do novo coronavírus segue a escalada de crescimento desde terça, quando foram registradas 600 mortes de um dia para o outro pela primeira vez. Diante do cenário, o lockdown começa a se espalhar pelo país, chegando a 18 cidades de cinco estados. Primeiro estado do Sudeste a decretar o regime mais rígido de isolamento, Rio de Janeiro anunciou, ontem, a medida em Niterói e em Bangu.

A maioria dos estados que já decretaram lockdown faz parte da lista de 12 unidades federativas que ultrapassam os 100 óbitos pela doença. No grupo, estão São Paulo (3.206), Rio de Janeiro (1.394), Ceará (903), Pernambuco (845), Amazonas (806), Pará (410), Maranhão (305), Bahia (165), Espírito Santo (155), Minas Gerais (106), Paraná (104) e Paraíba (101). Juntos, esses estados somam 8,5 mil mortes, ou seja, 92% dos óbitos no Brasil.

A decisão no Rio foi tomada após o governo fluminense considerar o relatório técnico-científico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O ministro da Saúde, Nelson Teich, visita o Rio hoje para “ver o que está sendo feito” e se reunir com o governador Wilson Witzel, o prefeito Marcelo Crivella e secretários do estado e da capital. Na análise da Fiocruz, que sustenta a ação protocolada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), os pesquisadores alertam que a adoção de medidas mais rígidas é urgente e necessária para que não haja um colapso nos hospitais ainda no mês de maio.

O governo do Rio de Janeiro elabora uma resposta ao MPRJ e tem até hoje para enviar. No entanto, Witzel adiantou que a decisão será apoiada pelo estado, enviando apoio à segurança, caso os municípios resolvam aderir às medidas. Já foi disponibilizada a atuação das polícias Militar e Civil para os municípios do Rio, Niterói, Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias.

Na capital, os bairros de Campo Grande, Bangu e Santa Cruz têm restrições de circulação, naquele que é chamado por Crivella de lockdown parcial. O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, apoiando a análise da Fiocruz, reuniu-se com representantes do Legislativo e do Ministério Público para elaborar o reforço das medidas. Já pela noite, a Câmara dos Vereadores de Niterói aprovou a mensagem da prefeitura, proibindo a circulação de pessoas nas ruas, praças e praias (locais públicos) entre os dias 11 e 15 de maio, podendo haver prorrogação. O descumprimento resultará em multa de R$ 180, que pode ser dobrada em caso de reincidência.

Também hoje, o Rio de Janeiro recebe a visita de Teich, que confirmou a criação de uma rotina de viagens aos locais mais afetados. “Vamos fazer uma a duas (capitais) por semana”, indicou. Apesar de não estar presente na coletiva de imprensa ministerial para comentar ações contra o novo coronavírus, ontem, o ministro voltou a falar sobre isolamento social e bloqueio total nas cidades durante uma videoconferência com deputados federais. “O problema é que não dá para trabalhar essa discussão como se o lockdown fosse a essência de tudo. (...) Essa é uma discussão técnica. Isso vai variar de acordo com as diferentes regiões do país, com os diferentes momentos no tempo de cada região. É fundamental que a gente não trate isso como tudo ou nada, como um extremo.”

Rodízio

Apesar de não ter aderido ao bloqueio total, o município de São Paulo,epicentro da doença no Brasil, não descarta a possibilidade. Na capital, o prefeito Bruno Covas decidiu ampliar o rodízio de veículos na tentativa de diminuir a curva crescente de casos do novo coronavírus. A medida, que começa a ser implementada a partir da próxima segunda, valerá para toda a cidade, inclusive nos fins de semana, aumentando de 20 para 50% a restrição de circulação.

De acordo com o prefeito, o bloqueio anterior de parte das avenidas principais não surtiu o efeito necessário, razão pela qual resolveu retornar com o rodízio. Ele citou que, nesta semana, enquanto leitos de hospitais chegavam à ocupação de 90%, a cidade registrou engarrafamentos de 40 quilômetros.

Antes de outros estados começarem a propor o confinamento, o único que estava sujeito ao endurecimento das medidas de distanciamento era o Maranhão. No entanto, no terceiro dia sob o decreto, a movimentação em São Luís foi intensa, ontem, com direito a aglomerações em bairros mais periféricos. No estado, somente a Ilha de São Luís aderiu ao sistema de isolamento.

As medidas de lockdown começaram a valer, nessa quinta, em Belém e em outros nove municípios do Pará. A restrição deve se estender por dez dias. No Ceará, o bloqueio começa hoje em Fortaleza, e amanhã será a vez da Bahia testar as primeiras medidas de confinamento, em Salvador. Mesmo tendo uma das maiores incidências nacionais de casos e mortes por 1 milhão de habitantes, o Amazonas não adotou as medidas de bloqueio.

Lockdown brasileiro

Veja os locais onde o isolamento social está mais rígido

MARANHÃO (desde terça-feira)

* São Luís

* São José de Ribamar

*Paço do Lumiar

*Raposa

PARÁ (desde ontem)

*Belém

*Ananindeua

*Marituba

*Benevides

*Santa Bárbara

*Santa Izabel do Pará

*Castanhal

*Santo Antônio do Tauá

*Vigia de Nazaré

*Breves

CEARÁ (a partir de hoje)

*Fortaleza

BAHIA (a partir de amanhã)

*Salvador, em regiões que

registram maior infecção

RIO DE JANEIRO (a partir de segunda)

*Niteroi

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Mortes em casa crescem 152%  no AM

Maíra Nunes

Renata Rios

08/05/2020

 

 

Os reflexos da escalada da pandemia do novo coronavírus no Brasil não se limitam à falta de leitos de UTIs nos hospitais. Segundo as informações divulgadas no Portal de Transparência do Registro Civil, o número de pessoas que morreram em casa no país aumentou em mais de 3,7 mil casos, um crescimento médio de 15%. Primeiro estado a colapsar o sistema de saúde, o Amazonas é a unidade federativa que registrou o maior aumento do número de mortes em casa. O salto foi de 152% em relação ao mesmo período de 2019. Na sequência, vem o Rio de Janeiro, com crescimento de 43%; e Distrito Federal, 31,1%. A análise refere-se ao período de 26 de fevereiro, data em que o primeiro caso de infecção por coronavírus foi registrado, até 26 de abril.

“Com a experiência que temos observando outros países, principalmente os europeus, como Itália, Espanha e Reino Unido, vem se verificando um crescimento substancial nos óbitos ocorridos em âmbito não hospitalar”, destaca Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen).

Nas mortes domiciliares, a doença provocada pelo novo coronavírus matou 221 pessoas nos dois primeiros meses da pandemia. Em compensação, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) provocou uma quantidade 11 vezes maior de óbitos neste ano se comparada à de 2019: de 10 para 110. Já as mortes por causa indeterminada quase dobraram, passando de 391 para 604, o que pode apontar para uma subnotificação da doença, provocada por todas as dificuldades de atendimento nas unidades de saúde e da testagem insuficiente da população.

O aumento do número de pessoas que falecem em casa de um ano para outro se deve, entre outros fatores, às doenças respiratórias, mas não só à covid-19. Neste ano, elas foram responsáveis por 396 óbitos a mais do que em 2019, quando causaram 4.074 óbitos em domicílio. Ricardo Kreitchmann Filho, pneumologista pediátrico, explica que uma das características da covid-19 é a rápida evolução do quadro. “Muitas vezes, o paciente já está com a oxigenação do sangue diminuindo e a falta de ar ainda não apareceu, (o paciente) só está com a febre e a tosse. Em uma unidade de saúde, essa saturação é verificada e conseguimos ter uma noção se  pode evoluir para um quadro grave”.

O especialista explica que o ideal seria analisar cada caso individualmente, mas destaca que entre os fatores que contribuem para o aumento de mortes em domicílio estão os casos de pacientes que procuram por atendimento no início dos sintomas, são liberadas para voltar à casa, mas o quadro evolui rapidamente.

“Tem casos de pessoas falecendo por outros motivos. Brasília ainda tem leitos disponíveis, mas tem hospitais em que os atendimentos estão saturados”, pontua Kreitchmann.