Correio braziliense, n. 20805 , 09/05/2020. Política, p.4

 

Vídeo controverso nas mãos do STF

Renato Souza

09/05/2020

 

 

PODER » AGU entrega ao Supremo imagens da reunião ministerial citada por Moro em depoimento à PF contra Bolsonaro. Celso de Mello determina sigilo temporário sobre o material. Ministros militares vão depor na terça-feira como testemunhas do inquérito aberto pela Corte

A Advocacia-Geral da União (AGU) entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, citada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova do depoimento que deu à Polícia Federal no inquérito que apura suposta interferência política do presidente Jair Bolsonaro na corporação. O ex-juiz afirma que, naquele encontro, o chefe do Executivo solicitou a troca no comando da superintendência da instituição no Rio de Janeiro, além de acesso a relatórios de inteligência. O ministro Celso de Mello, relator do inquérito no Supremo, colocou o material sob sigilo.

O arquivo foi entregue em um HD externo na Secretaria Judiciária do Supremo e, de acordo com a AGU, não foram feitos cortes ou edições. No documento que confirma o encaminhamento do material, o advogado-geral da União, José Levi, afirma que apresenta "referido HD externo, na forma que lhe foi apresentado pela Presidência da República" e que o arquivo "contém o inteiro teor, sem qualquer edição ou seleção de fragmentos, da gravação mencionada (...)."

O governo havia pedido ao ministro Celso de Mello — relator do inquérito aberto no Supremo para investigar as denúncias de Moro — que fosse reconsiderada a decisão de entregar o vídeo, ou que fosse autorizada a apresentação apenas de um material editado, do qual seriam retirados trechos que se referem a conteúdo "sensível ao Estado". O magistrado pediu manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), em até 24 horas. No entanto, o prazo para o conteúdo ser apresentado terminava ontem.

Além de Moro, estiveram na reunião os ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Walter Braga Netto, da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Os três serão ouvidos pela Polícia Federal, na condição de testemunhas, na próxima terça-feira, às 15h, no Palácio do Planalto.

Celso de Mello afirmou que os depoimentos deveriam ser marcados em locais e horários a serem definidos pelos ministros em tratativas com a Justiça, já que eles têm a prerrogativa de não serem ouvidos dentro da unidade policial, em razão dos cargos que ocupam.

No meio militar, causou desconforto o fato de Celso de Mello intimar os integrantes do Executivo para depor, pois todos ocupam cargos de alto escalão das Forças Armadas. A futura cena da Polícia Federal entrando no Planalto é considerada como ponto de tensão em Brasília, mesmo que seja com horário previamente combinado.

Bolsonaro deve depor futuramente, na condição de investigado. Os depoimentos serão confrontados com as declarações de Moro. Com base nas afirmações do ex-juiz, a PGR afirma que o presidente pode ter cometido os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada. Caso as acusações de Moro não sejam comprovadas, o ex-magistrado pode responder por denunciação criminosa e crime contra a honra.

Além dos ministros, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) prestará depoimento na próxima semana. Ela deve ir na quarta-feira à Superintendência da PF em Brasília. A parlamentar trocou mensagens com Moro, na tentativa de convencê-lo a permanecer no Ministério da Justiça e aceitar a demissão do delegado Maurício Valeixo, então diretor-geral da corporação. A deputada também vai falar na condição de testemunha.

 Delegados
Na segunda-feira, os investigadores vão colher os depoimentos de Valeixo e de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que Bolsonaro tentou nomear diretor-geral da PF, mas foi impedido por decisão de Alexandre de Moraes, ministro do STF (leia reportagem abaixo). Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro, também será ouvido.

Valeixo atuou na corporação após Bolsonaro assumir o governo. Ele chegou ao cargo por indicação de Moro. Já Ramagem é próximo da família de Bolsonaro e teria conversado com o presidente sobre a troca no comando da corporação. No caso de Saadi, outro citado pelo ex-juiz, os investigadores querem saber se ele sofreu algum tipo de pressão por parte do governo e se tem informações adicionais que possam colaborar com as autoridades.

Os delegados serão ouvidos pelo Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), grupo da PF responsável por inquéritos em andamento no STF. Na quarta-feira também está prevista a coleta dos depoimentos de mais três delegados: Carlos Henrique de Oliveira Souza, Alexandre da Silva Saraiva e Rodrigo de Melo Teixeira.

 Temporário
Celso de Mello determinou que "incida em caráter temporário a nota de sigilo sobre o HD externo encaminhado a esta Corte, no dia de hoje (ontem), pelo senhor advogado-geral da União, mediante petição protocolada sob o nº 29.860/2020". "Esse sigilo, que tem caráter pontual e temporário (...), será, por mim, levantado em momento oportuno."

 Ofensas
Um dos pontos "sensíveis" no vídeo seriam ofensas que o presidente Jair Bolsonaro teria feito à China. Outro trecho polêmico envolveria o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que teria chamado os ministros do Supremo de "11 filhos da p."

 Depoimentos
Veja quando testemunhas serão ouvidas pela PF

 Segunda-feira
» Maurício Valeixo, ex-diretor da PF
» Alexandre Ramagem, diretor da Abin
» Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro

 Terça-feira
» Augusto Heleno, ministro do GSI
» Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil
» Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo

 Quarta-feira
» Carlos Henrique de Oliveira Souza, delegado da PF
» Alexandre da Silva Saraiva, delegado da PF
» Rodrigo de Melo Teixeira, delegado da PF
» Carla Zambelli, deputada

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Moraes mantém veto a Ramagem

Jorge Vasconcellos

Augusto Fernandes

Renato Souza

09/05/2020

 

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a decisão imposta por ele que impediu Alexandre Ramagem de ser empossado como diretor-geral da Polícia Federal. Ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao magistrado para reverter a medida. Entretanto, ele disse que não poderia analisar o recurso porque a nomeação do delegado já foi revogada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em resposta à AGU, Moraes disse, ainda, que o pedido "está prejudicado" em face da nomeação de Rolando Alexandre de Souza para a direção-geral da PF. "O presente mandado de segurança está prejudicado em virtude da edição de novo decreto presidencial tornando sem efeito a nomeação impugnada, devendo ser extinto por perda superveniente do objeto diante da insubsistência do ato coator", escreveu Moraes. Dessa forma, o processo foi arquivado.

A nomeação de Ramagem foi suspensa por Moraes em 29 de abril, poucas horas antes da posse do delegado na PF. O ministro viu indícios de que o ato violou os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade, que configuram desvio de finalidade. A decisão atendeu a um pedido do PDT.

A suspensão foi tomada com base no pronunciamento feito por Sergio Moro ao anunciar sua saída do governo. Segundo o ex-ministro da Justiça, Bolsonaro interferiu politicamente na PF para ter acesso a relatórios de inteligência do órgão. Essa acusação levou a Procuradoria-Geral da República a abrir um inquérito para apurar o caso.

Após o veto a Ramagem, Bolsonaro nomeou para o comando da PF o delegado Rolando de Souza. O primeiro ato do novo diretor foi trocar a chefia da superintendência do órgão no Rio de Janeiro, um desejo do presidente que foi um dos motivos do pedido de demissão de Sergio Moro.

Ontem, Rolando de Souza foi ao Planalto para uma reunião com Bolsonaro e com o ministro da Justiça, André Mendonça. Oficialmente, a assessoria da PF informou que o encontro discutiu os trâmites para nomeações de superintendentes regionais da corporação. Além desse compromisso, havia a previsão, na agenda da Secretaria-Geral da Presidência, de uma reunião entre Rolando de Souza; o titular da pasta, Jorge Oliveira; e o advogado-geral da União, José Levi.