O globo, n. 31650, 02/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Concorrência pela vida

André de Souza

Gustavo Maia

Leandro Prazeres

Renata Mariz

02/04/2020

 

 

Escassez global de itens de saude faz mandetta apelar por isolamento

 Enquanto as autoridades alertam para um crescimento significativo de casos do novo coronavírus nas próximas semanas, o governo federal tem compras de equipamentos de proteção individual —os EPIs, essenciais para os profissionais de saúde—, e de respiradores canceladas.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou ontem que aquisições em massa feitas pelos Estados Unidos na China, maior fabricante de produtos como máscaras, levaram fornecedores a quebrarem contratos de importação.

Neste cenário, ele também defendeu mais uma vez o isolamento social, pedindo que o cuidado seja redobrado. Segundo ele, o problema da falta dos itens tende a se agravar se houver “movimentos bruscos” na sociedade que elevem o grau de contágio da Covid-19, pressionando os serviços de saúde.

—Hoje (ontem), os Estados Unidos mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizar para poder fazer o abastecimento, muitas caíram — lamentou Mandetta.

O envio de cargueiros norte-americanos à China foi noticiado pelo “New York Times”, que mencionou que o primeiro avião que retornou aos Estados Unidos trouxe 80 toneladas de equipamentos, sendo 130 mil máscaras N-95, 1,8 milhão de máscaras cirúrgicas e roupas, 10 milhões de luvas e milhares de termômetros.

Mandetta disse que, no caso dos respiradores, importantes para pacientes graves internados em UTIs, fornecedores que já haviam sido contratados, com documentos assinados, disseram que não tinham mais o estoque para atender. O ministro afirmou que, em muitos casos, os fabricantes vendem encomendas já feitas para lucrar mais:

— Isso está acontecendo porque, às vezes, chegam pessoas que falam para quem vende: “Você vendeu por quanto? Vendeu por 10. E a multa? A multa é de 20%. Então eu te pago a multa, te pago os 10% e te pago mais tanto para você vender para mim”.

Ele afirmou que a pasta só vai contar a partir de agora com o que tem “na mão”, citando como exemplo uma compra recente de 8.000 respiradores.

— Eu só acredito na hora que estiver dentro do meu país, na minha mão. Eu tenho um contrato, um documento, um dinheiro para comprar. Às vezes, o colapso é: você tem o dinheiro e não tem o produto. Não adianta ter o dinheiro — disse.

—Você pode ter o PIB do país e dizer: eu quero comprar. A fábrica não consegue te atender. O mundo inteiro também quer. Temos um problema hoje de demanda hiper aquecida sobre os ítens-chave.

Segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde, na segunda-feira, cerca de 40 milhões de equipamentos de proteção individual já haviam sido repassados aos estados no âmbito do enfrentamento ao coronavírus. Outros 724,2 milhões de itens estavam “em compra”.

Desse total, havia 200 milhões de máscaras que o Brasil esperava receber em 30 dias. Foi essa aquisição, segundo o ministério, que a China não conseguirá entregar, ao menos no tempo estabelecido. A pasta não informou quantos itens tem no estoque, apontado por Mandetta como “enxuto”, nem até quando eles duram.

SEM RELAXAR

Ao falar do risco de falta de equipamentos de proteção individual no Brasil, Mandetta voltou a defender medidas de isolamento para diminuir a velocidade do contágio:

— Se nós não fizermos retenção de dinâmica social, se nós não cumprirmos, se nós sairmos, aglomerarmos, fizemos movimentos bruscos e relaxarmos nesse grau de contágio, sim, você pode ficar sem uma série de equipamentos de proteção. Em outro momento, pediu cuidado redobrado com “as avós, tias, madrinhas”.

— Não é hora de fraquejar. Não é hora de relaxar. É hora de redobrar o cuidado. O vírus está mostrando para nós ao que ele veio e a gente tem o dever de proteger essas pessoas.

Mandetta, que já havia mencionado anteriormente que pediria a interferência da Organização Mundial da Saúde (OMS) para regular a distribuição global dos itens de saúde, voltou a criticar a falta de um planejamento unificado.

— Espero que nunca mais o mundo cometa o desatino de fazer 95% da produção de insumos que decidem a vida das pessoas num único país. Isso é uma das discussões do pós epidemia.

Em conversa telefônica ontem, o presidente Jair Bolsonaro pediu ao americano Donald Trump auxílio nas partes médica e de logística.

Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro reconheceu que há um problema na compra de equipamentos da China por conta da competição com países mais ricos. Ele disse que conversou, há cerca de dez dias, com o presidente chinês Xi Jinping e que ele se colocou à disposição.

— Na medida do possível, eu acredito que o governo chinês vai distribuir alguma coisa para nós também, acredito nessa possibilidade —declarou o presidente.

O Brasil registrou ontem 6.836 infectados pelo SarsCoV-2, 241 dos quais morreram. Mandetta prevê um aumento significativo nestes números a partir desta semana porque há muito testes pendentes no país.

— A testagem que está represada, a gente já está começando a fazer com máquinas em automático. Hoje nós já temos o início do gráfico. Se aumenta o número de casos, diminui a (taxa de) letalidade—explicou o ministro.