O globo, n. 31650, 02/04/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Trump e Bolsonaro

Dimitrius Dantas

Gustavo Maia

02/04/2020

 

 

Por telefone, presidentes  alinham discurso

No dia em que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, revelou que o envio pelos Estados Unidos de 23 aviões cargueiros à China para uma supercompra de insumos para o combate ao coronavírus atrasará encomendas que o Brasil havia feito ao país oriental, os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump conversaram por telefone sobre a pandemia. Uma nota da Casa Branca e declarações posteriores do chanceler brasileiro Ernesto Araújo relataram que os dois trocaram informações e promessa de colaboração para enfrentar a pandemia, mas não deram maiores detalhes de como ela se daria.

À noite, o presidente americano comentou a ligação com o colega brasileiro, citando que o Brasil “teve que parar” para tentar conter a disseminação do vírus.

— Ele (Bolsonaro) é um grande cara, fazendo um trabalho maravilhoso pelo Brasil. Foi um telefonema de cortesia. Ele tem um problema com o vírus, nos falamos esta manhã. O Brasil está parando, teve que parar. O mundo está parando, alguns países estão se saindo bem. Espero que possamos sair dessa mais fortes do que nunca —declarou Trump.

Sem mencionar medidas de distanciamento social, a Casa Branca informou que os dois líderes “reiteraram do compartilhamento de informações, maior preparação e ações conjuntas para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos”. E acrescentou que os presidentes concordaram em adotar medidas para “proteger o emprego e as economias”.

CÓPIA NAS REDES

Admirador declarado do presidente americano, o brasileiro tem adotado uma estratégia de copiar o americano em comentários nas redes sociais sobre a pandemia. Desde o início da crise, ainda no início de março, Bolsonaro tem repetido e ecoado discursos que aparecem primeiro em tuítes de Trump, como a defesa de remédios baseados na hidroxicloroquina e a crítica a ações adotadas por governados locais

Com o agravamento do contágio nos EUA, Trump passou a defender medidas de isolamento, enquanto na última terça-feira Bolsonaro adotou tom mais moderado. Ontem, o presidente negou que tenha feito grande mudança de posição no pronunciamento em cadeia de rádio e TV na terça-feira, em que não defendeu explicitamente o isolamento vertical. O presidente reconheceu que auxiliares o ajudaram a “amenizar nas palavras”.

Bolsonaro voltou a se manifestar a favor de que trabalhadores informais, ainda que não integrem os serviços essenciais que compõem as exceções às regras de restrição de circulação, saiam às ruas.

— Como é que nós podemos proibir que essas pessoas se locomovam? Como é que você pode proibir que uma pessoa pegue e vá numa praça vender teu churrasquinho de gato? Ou vender o teu biscoito na praia? — afirmou, em entrevista à TV Bandeirantes.

Sobre sua posição no pronunciamento da terça-feira, Bolsonaro foi enfático, e citou repercussões econômicas do isolamento adotado por governadores, como o do Rio Grande do Sul:

— Eu não mudei nada. Ele mudou. Agora eu, sim, reconheço a você que suavizei nas palavras. Mas quem pegar e prestar atenção em cada frase nossa continuamos dando o recado: se o Brasil continuar dessa forma, desse isolamento horizontal, como se eu não me engano o Rio Grande do Sul anunciou mais 30 dias. Eu não vou criticar o governador, agora será que a população aguenta mais 30 dias sem trabalhar? Porque o elemento, o empresário, o comerciante, vai ter que demitir, porque não está vendendo, vai ter que demitir —afirmou.

Bolsonaro também pediu desculpa por ter publicado numa rede social um vídeo em que mostrava com informações falsas sobre um suposto desabastecimento causado por medidas de contenção ao novo coronavírus. O vídeo, que tinha críticas a governadores, foi deletado horas depois após a informação ter sido desmentida. Na gravação, um homem dizia estar na Central de Abastecimento (Ceasa) de Belo Horizonte e criticava a suposta falta de produtos, que, segundo ele, teria sido causada por medidas tomadas pelos governadores.

Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, no fim da tarde, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que não há risco de desabastecimento e afirmou que o vídeo foi filmado durante a limpeza do Ceasa.

—Hoje nós temos no Brasil o abastecimento em todas as capitais, não temos nenhuma notícia de que esteja faltando qualquer ti pode alimento. Esse vídeo foi feito ontem à tarde, quando a Ceas ade Belo Horizonte estava tendo a sua higienização, a sua limpeza —disse a ministra.

Bolsonaro reconheceu que não houve a “checagem” dos fatos:

— Quero me desculpar, não houve a devida checagem do evento. Pelo que parece aquela central de abastecimento estava em manutenção. Então, quero me desculpar publicamente, foi retirado ovídeo. Agente erra na notícia e eu tenho a humildade em me desculpar.

NAS REDES, O BRASILEIRO IMITOU O AMERICANO VÁRIAS VEZES AO LIDAR COM CRISE

Comparação com outras gripes

Em 9 de março, Trump escreveu que a gripe comum matou 37 mil americanos em 2019. Em 11 de março, Bolsonaro disse que “outras gripes mataram mais do que essa”.

A cura do coronavírus

Em 21 de março, Trump anunciou que a hidrocloriquina tinha chance de curar a Covid-19. No mesmo dia, Bolsonaro fez um vídeo sobre a cura de pacientes com o mesmo remédio.

Conflito com governadores

Em 22 de março, Trump disse que “um pequeno grupo de governadores” não deveria culpar seu governo pelas dificuldades enfrentadas. No dia 31 , Bolsonaro fez crítica parecida.

Tratar a doença x cuidar da economia

Em 23 de março, Trump afirmou que “a cura não poderia ser pior que o problema”. No mesmo dia, Bolsonaro disse que medidas podem ser “ainda mais nocivas que a própria doença”.