Valor econômico, v.21, n.4997, 11/05/2020. Brasil, p. A3

 

União quer pagar dívida para aliviar estados 

Luísa Martins

11/05/2020

 

 

Os efeitos da pandemia no agravamento da crise fiscal dos Estados levaram a União a propor um acordo para lhes pagar, ainda no exercício de 2020, 90% de uma dívida de R$ 81,3 bilhões cuja quitação se arrasta há mais de cinco anos. O montante, relativo a precatórios do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), seria repassado aos governadores mediante abertura de crédito extraordinário no Orçamento, para investimento imediato no combate ao coronavírus. Em troca, segundo documento ao qual o Valor teve acesso, o governo federal quer deságio entre 30% e 40% e o arquivamento de ações judiciais.

A conciliação vem sendo costurada no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem os governadores recorreram para tentar evitar o colapso econômico diante da propagação da covid-19. Pelo "Plano Nacional de Negociação: Fundef", a Advocacia-Geral da União (AGU) sugere diminuir de 100% para 10% o valor do fundo destinado à educação, para que a maior parte seja aplicada pelos Estados nas áreas de saúde e cidadania - e ainda abatida de suas dívidas com o governo federal.

Sem simpatia do Ministério Público Federal (MPF), que teme perdas irreparáveis para a educação básica, a proposta está sendo analisada pelos procuradores-gerais de nove Estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Com uma dívida de R$ 247 bilhões com a União, São Paulo não poderia beneficiar-se do acordo, pois já recebeu a totalidade do que lhe era devido a título de Fundef (R$ 1,2 milhão).

Consultados, os governadores, embora dispostos a encerrar as demandas judiciais por meio de um encontro de contas com a União, demonstraram-se decididos a negociar um percentual menor de deságio e um indicador de correção monetária mais vantajoso. As partes devem se reunir virtualmente até o fim desta semana para uma nova rodada de debates, mediados pelo ministro Alexandre de Moraes.

O Fundef vigorou no país entre 1996 e 2006, quando foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Em 2015, a Justiça entendeu que, devido a um erro na fórmula de cálculo dos repasses, a União pagou R$ 90 bilhões a menos do que deveria. Condenada a fazer a complementação, executou até hoje menos de 10% da dívida: R$ 8,7 bilhões, de acordo com monitoramento do Tribunal de Contas da União (TCU).

Nos termos sugeridos pela Advocacia-Geral da União (AGU), as verbas para a área da saúde e cidadania chegariam aos cofres estaduais já neste ano, mas as da educação ficariam para 2022, com apresentação de precatórios neste segundo semestre. O restante seria abatido da dívida dos Estados com a União. O valor que sobrar, se sobrar, engordaria a fatia destinada à educação.

A AGU oferece três modelos de acordo: quanto maior o deságio, maior a fatia do pagamento a ser recebida de imediato. Por exemplo, se o Estado concordar em desvalorizar o precatório em 40% (percentual máximo), receberá 60% para investir no enfrentamento ao vírus ainda este ano, 10% para a educação em 2022 e 30% para abater de sua dívida.

Além de renunciar às ações judiciais envolvendo dívidas com a União, o governador que aderir ao acordo deverá apresentar um plano de aplicação dos recursos tanto na área da saúde (compra de equipamentos, por exemplo) quanto na mitigação dos efeitos socioeconômicos causados pelo avanço da doença. O mesmo para os investimentos em ensino básico. A fiscalização caberia aos órgãos de controle de cada Estado. Em relação ao abatimento das dívidas, a própria União deverá citar quais seriam compensadas.

O Valor procurou as assessorias dos nove governos estaduais que, junto à AGU, negociam o acordo no Supremo, mas apenas quatro responderam: Bahia, Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Todos se dizem receptivos ao acordo, desde que o deságio seja reduzido e que haja garantia de que o IPCA vai balizar os cálculos dos valores devidos. A AGU preferiu não se manifestar, para não prejudicar as tratativas.

As negociações ainda poderão ser ampliadas para outros Estados. Uma das hipóteses é que os entes federativos que não tenham dívidas com a União também possam receber os complementos do Fundef para aplicá-los no combate à pandemia. A diferença estaria nos percentuais, que ficariam divididos apenas entre saúde, cidadania e educação, também mediante deságio.

Já para unidades da federação como Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins, que não têm créditos de Fundef, o acordo deverá ser proposto de outra forma - por exemplo, adiando a retomada do pagamento da dívida com a União para que a verba equivalente seja utilizada para lidar com a crise sanitária.

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Guedes quer fazer da Economia o modelo de reforma da gestão

Lu Aiko Otta

11/05/2020

 

 

No início de 2019, quando receberam seu primeiro contracheque do ano, os funcionários do recém-criado Ministério da Economia já podiam ler que trabalhavam para a nova pasta, resultado da fusão de cinco ministérios: Fazenda, Planejamento, Trabalho e Emprego, Previdência e Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Pouco mais de um ano depois, a ideia é que administração da pasta seja um modelo para os demais ministérios.

"Era importante agir rápido", disse a secretária de Gestão Estratégica, Danielle Calazans. "Se as pessoas começassem a trabalhar cada uma em seu mundinho, não aconteceria a fusão que pretendíamos." Esse era o principal ponto da reforma pretendida pelo ministro Paulo Guedes: não fazer um ajuntamento de pastas, como tradicionalmente ocorre na Esplanada dos Ministérios, mas sim uma fusão de estruturas, culturas e rotinas de trabalho.

Apontada por observadores experientes como inadministrável, a pasta chefiada pelo ministro Paulo Guedes tem perto de 100 mil funcionários, entre ativos e aposentados. "É praticamente uma Ambev ", compara Danielle. A folha salarial consome nada menos que R$ 2,5 bilhões ao mês.

Do ponto de vista físico, a pasta também é gigante. Está presente, literalmente, do Oiapoque ao Chuí, pois os postos da Receita Federal estão sob sua administração. E tem uma rede com grande capilaridade no interior, com os postos do INSS e do Ministério do Trabalho. No total, são 600 prédios sob administração. Há ainda 23 unidades vinculadas, como o BNDES, a Caixa, o Inmetro.

Tal como no mundo corporativo, a fusão de cinco ministérios impôs eliminar redundâncias. Nesse caso, não há demissões porque os servidores públicos são estáveis. Foi possível, porém, cortar perto de 40% dos cargos pelos quais eram pagos adicionais.

As áreas administrativas foram unificadas em uma só secretaria, a de Gestão Estratégica. Nela, estão juntos setores que normalmente operam separados, como as áreas de planejamento, orçamento, recursos humanos, logística, contabilidade e tecnologia da informação (TI). "E o pulo do gato é uma gestão estratégica alinhada, voltada à eficiência", descreve a secretária.

A ideia é que administração da pasta da Economia seja um modelo para os demais ministérios, disse o secretário-executivo da pasta, Marcelo Guaranys. Segundo Danielle, uma área de gestão estratégica nos mesmos moldes foi estruturada no Ministério do Desenvolvimento Regional. Isso ocorreu com a ida de Rogério Marinho para aquela pasta. Marinho foi secretário especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia.

Desde o ano passado, Danielle lidera um trabalho de unificação e revisão de contratos dos prestadores de serviço ao Ministério da Economia. Em janeiro de 2019, eram 2.200. A intenção é chegar ao fim de 2020 com 250, com corte de R$ 55 milhões ao ano.

Um primeiro alvo foi a área de TI, que é o item mais caro do orçamento do Ministério da Economia. A pasta é responsável por sistemas utilizados por todo o governo federal, como o Sistema Interligado de Administração Financeira (Siafi), que registra todos os gastos do governo, ou o Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape). A estatal Serpro cuida a base de dados da Receita Federal, responsável por toda arrecadação de impostos e contribuições, e do Portal Único do Comércio Exterior, que registra as exportações e importações do país.

Eram 14 diferentes contratos de TI. Esses foram revistos, fundidos, renegociados. O saldo foi uma economia de R$ 350 milhões. Outros R$ 4,2 milhões ao ano foram economizados com a racionalização dos contratos de serviços de impressão e mais R$ 9,8 milhões ao ano em redes e circuitos.

O enxugamento chegou também às instalações físicas. Na capital paulista, cinco unidades do antigo Ministério do Trabalho foram agrupadas num imóvel na Estação da Luz. Outros cinco prédios foram entregues à Secretaria de Patrimônio da União (SPU). O mesmo foi feito em Fortaleza no Espírito Santo. Além de economizar R$ 3,6 milhões anuais em itens como aluguel, manutenção, água, luz, telefone, serviços de limpeza, a junção facilitou a vida dos usuários dos serviços do ministério.

As economias no dia a dia do ministério permitiram liberar recursos para garantir o funcionamento das áreas finalísticas, mesmo num cenário de contingenciamento orçamentário. No ano passado, com o orçamento restrito, foi editada uma norma que ficou conhecida como "portaria do café", que cortou esse item jocosamente classificado como essencial para o funcionamento da máquina pública. Era comum ouvir autoridades se queixando da falta do café, ou do açúcar, ou de ambos. O objetivo era garantir o funcionamento de operações como fiscalizações e atendimento ao público.

As demandas internas do Ministério da Economia estão agora todas centralizadas em um portal chamado Solicite. Atende desde um pedido de reparo de impressora de uma unidade no interior da Bahia até o contrato firmado com a Caixa para o pagamento do auxílio emergencial dos trabalhadores informais. O portal dá transparência do andamento da demanda, explicou Danielle.

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Desemprego pode ser o maior dos últimos anos 25 anos, preveem analistas

Bruno Villas Bôas 

11/05/2020

 

 

A força de trabalho do país em busca de emprego deverá crescer neste ano para o nível mais elevado em, pelo menos, 25 anos por causa da crise, mostram cálculos paralelos feitos pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e pela LCA Consultores.

Para chegar a essa conclusão, o Ibre/FGV e a LCA costuraram e trataram diferentes pesquisas do IBGE para criar uma série histórica mais longa do mercado de trabalho, já que a série da atual pesquisa, a Pnad Contínua, retroage apenas até 2012.

Os levantamentos mostram que nem na recessão econômica que durou de 2014 a 2016, nem nas sucessivas crises dos anos 1990, quando país preciso recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a perda de vagas terá sido tão intensa quanto da recessão que se anuncia.

Segundo Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV, a taxa de desemprego deverá crescer para 18,7% na média anual de 2020, acima da média de 11,9% do ano passado. Se confirmada a projeção, será a maior taxa desde 1992, início da série histórica elaborada pelo instituto. Diferentemente de crises anteriores, desta vez o setor informal não vai funcionar como um "colchão" para os demitidos.

"Quem já perdeu o emprego nesse momento foi uma grande parcela dos informais. Muitos destes migraram para fora da força de trabalho. No entanto, muitas empresas formais também estão demitindo, e a ocupação informal não é mais uma possibilidade para estes que foram demitidos", explica Duque.

Na série reconstruída pelo Ibre/FGV, os piores momentos do mercado de trabalho foram registrados em 1999, ano em que o Brasil deixou o real flutuar, abandonando o regime de câmbio administrado. A taxa de desemprego foi de 11% na média daquele ano. Ela atingiria novamente esse percentual em 2003, primeiro ano do governo Lula.

A deterioração do mercado de trabalho foi mais intensa, no entanto, na recessão recente do país, do segundo trimestre de 2014 até o quarto trimestre de 2016. No mercado de trabalho, o pico do desemprego gerado por essa crise foi em 2018, com taxa média anual de 12,7%.

Nas projeções da LCA, a taxa de desemprego deverá subir de 12,2% no primeiro trimestre para 15,4% no quarto trimestre, sem ajuste sazonal. Essa taxa será a maior registrada desde 1996, início da série construída pela consultoria, superando o atual recorde do primeiro trimestre de 2017 (13,7%). No pior cenário da consultoria, a taxa chegaria a 25% ao fim deste ano.

Cosmo Donato, economista da LCA Consultores e autor dos cálculos, prevê que 2,6 milhões de pessoas devem perder seus empregos até o fim deste ano, pelo cenário básico.

Nos seus cálculos, o mercado de trabalho viveu seu primeiro bom momento na história recente logo após a implementação do Plano Real, quando a taxa de desemprego oscilou de 6,6% a 6,7% ao longo de 1995.

O segundo melhor momento da taxa de desemprego foi registrado no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, entre 2013 e 2014. A taxa de desemprego chegou a registrar 6,2% no quarto trimestre de 2014, a mais baixa ao longo de toda série.