Valor econômico, v.21, n.4997, 11/05/2020. Política, p. A6

 

Moro pode enfrentar cerco do Centrão e PT no Congresso Nacional 

Andrea Jubé

11/05/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que já contou no passado com sua própria base de sustentação no Congresso de pelo menos cem parlamentares, agora enfrenta uma conjuntura política que lhe é especialmente hostil: depois de denunciar irregularidades no governo, ele se viu transformado em alvo, simultaneamente, da maioria dos parlamentares, de uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto.

No Congresso, a soma de interesses do Centrão e do PT formou uma maioria com mais voracidade para fulminar o ex-juiz da Lava-Jato e minar seu projeto presidencial para 2022 do que para atingir o presidente Jair Bolsonaro. Em paralelo, uma ala do STF sempre viu com ressalvas a atuação de Moro na condução dos processos da Lava-Jato, por enxergar excessos em alguns atos do magistrado. Um exemplo é a jurisprudência firmada pela Corte há dois anos declarando inconstitucional a condução coercitiva de réus ou investigados para o interrogatório. Moro utilizou o expediente, por exemplo, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"A esquerda e o Centrão têm mais sede de pegar o [ex-ministro Sergio] Moro do que o [presidente Jair] Bolsonaro", confirmou ao Valor um deputado de postura independente. Por isso, segundo ele, é mais viável prosperar no Congresso um dos nove pedidos de abertura de comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as denúncias de Moro do que um dos 31 requerimentos de impeachment contra o presidente.

Com o Centrão negociando cargos em troca de apoio ao presidente, a avaliação de parlamentares independentes e da oposição é de que eventual pedido de impeachment neste momento, se fosse processado, seria derrotado. Essa eventual vitória serviria exclusivamente para fortalecer Bolsonaro e fragilizar o Congresso, analisam esses parlamentares.

Por isso, há interesse de vários grupos no Parlamento de viabilizar a instalação de uma CPI para investigar as denúncias de Moro. A avaliação é que o instrumento contempla todos os lados porque a investigação pode atingir Bolsonaro mas, igualmente, o autor das denúncias.

O PT e o Centrão, juntos, têm mais de um terço dos votos nas duas Casas - número mínimo para a criação da CPI. O PT vê a oportunidade de uma espécie de revanche política com Moro, que levou à prisão o ex-presidente Lula e outras lideranças nacionais da sigla, como o ex-ministro José Dirceu. Da mesma forma, expoentes do Centrão foram alvos do ex-juiz na Lava-Jato. Se ficar comprovado que Moro tinha conhecimento dos fatos há mais tempo, ou se teve acesso a outros desvios do governo, e se calou nas duas hipóteses, o ex-ministro poderia ser investigado pelo crime de prevaricação.

Empossado como um dos superministros do governo, ao lado de Paulo Guedes (Economia), Moro deu demonstrações relevantes de musculatura política no Congresso Nacional. Há um ano, na votação da reforma administrativa, ele articulou pessoalmente a manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério da Justiça.

A votação foi apertada: por apenas 18 votos, o órgão foi remanejado para o Ministério da Economia. Mas foi uma derrota com cara de vitória porque 210 deputados votaram com o ex-juiz. Na época, distinguindo-se do Centrão, o PSD votou em peso com Moro. Hoje o partido negocia espaço no governo Bolsonaro e tem a promessa de indicar o futuro presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), um dos postos mais concorridos do segundo escalão.

Moro viu seu prestígio político erodir aos poucos, a partir dos vazamentos de diálogos que manteve com procuradores da Lava-Jato quando conduzia a operação. Alguns trechos em que ministros eram citados constrangeram o STF e o episódio expôs Moro à fritura de Bolsonaro.

A consequência mais evidente dessa deterioração do prestígio foi a votação do pacote anticrime, a vitrine de sua gestão no ministério, que foi conduzida na Câmara pelos deputados do Centrão: a presidente do grupo de trabalhos era a deputada Margarete Coelho (PI), do PP. O pacote acabou desidratado, representando uma derrota expressiva para Moro: dois pontos essenciais para o então ministro - a prisão após a condenação em segunda instância e o trecho que ampliava o excludente de ilicitude - não foram aprovados.