Valor econômico, v.21, n.4996, 08/05/2020. Política, p. A7

 

AGU quer entregar vídeo editado de reunião

Luísa Martins

08/05/2020

 

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ontem permissão ao Supremo Tribunal Federal (STF) para entregar apenas trechos da gravação da reunião em que o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado exonerar seu então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

O elemento de prova foi solicitado, na íntegra, pelo ministro Celso de Mello, relator do inquérito que investiga as declarações que Moro fez contra Bolsonaro em seu anúncio de demissão. Até o fechamento desta edição, o decano ainda não havia examinado o pedido da AGU.

Bolsonaro é suspeito de tentar interferir na autonomia da Polícia Federal (PF) ao trocar o diretor-geral da corporação para que pudesse ter acesso a relatórios de inteligência. O presidente teria expressado essa intenção em uma reunião no Palácio do Planalto, cuja gravação foi mencionada por Moro durante seu depoimento aos investigadores, no sábado.

Primeiramente, a AGU pediu para não entregar o vídeo, alegando que os temas discutidos incluem "assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de Relações Exteriores, entre outros".

Mesmo antes de o relator decidir, o ministro José Levi peticionou mais uma vez, pedindo que as imagens a serem enviadas ao Supremo "se restrinja apenas e tão-somente a eventuais elementos que sejam objetos do presente inquérito".

Celso de Mello estava participando da sessão plenária do STF quando pediu ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, licença para se ausentar, em razão de petição da AGU que precisava ser apreciada com urgência.

Na decisão original, o decano determinou que os elementos do vídeo não fossem "alterados, modificados ou, até mesmo, suprimidos". Agora, ele deve avaliar se reconsidera ou não esse posicionamento.

A defesa de Moro reforçou a necessidade de que o vídeo seja enviado sem manipulações. Em documento também ajuizado no STF, disse que as "colocações constrangedoras" do presidente da República não configuram "segredos de Estado".

Os advogados ponderaram que, caso Celso de Mello entenda haver algum tópico mais sensível na gravação, pode protegê-lo por meio da imposição de sigilo parcial ao conteúdo do vídeo.

"Destacar trechos que são ou não importantes para a investigação é tarefa que não pode ficar a cargo exclusivo do investigado, porque tal expediente não garante a integridade do elemento de prova fornecido, pois não examinado previamente tanto pelas autoridades responsáveis como pela própria defesa do requerente, igualmente interessada na apuração da verdade dos fatos", diz a defesa do ex-juiz.

De acordo com os advogados do ex-ministro, as falas de Bolsonaro no encontro foram "incisivas" no sentido de que ele buscava interferir nos trabalhos da corporação, tanto no âmbito nacional quanto na superintendência do Rio de Janeiro.

Na ocasião, o presidente também teria reclamado da falta de empenho da PF para investigar casos que lhe são pessoalmente caros: os supostos mandantes de Adélio Bispo, autor da facada que sofreu em 2017, e as falas dos porteiros que sugerem sua participação no assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018.