Valor econômico, v.21, n.4996, 08/05/2020. Especial, p. A12

 

Projeção para a covid-19 e o equívoco de Bolsonaro

Francisco Lopes

08/05/2020

 

 

Esta nota faz nova projeção “ceteris paribus” para a evolução da pandemia e um comentário sobre um equívoco que vem sendo propalado pelo presidente Jair Bolsonaro.

1) Projeção da covid-19

Comparando a tabela do último dia 26 de abril (tabela 1) com a tabela que retrata a situação atual após uma semana (tabela 2), vemos que em nível mundial a pandemia de covid-19 continua com evolução bastante favorável. O fator de propagação R0 [o número básico de reprodução, medida de quantas pessoas são infectadas em média por alguém com a doença] mundial continua caindo de 1,025 para 1,023, assim como nos Estados Unidos, que é o atual “campeão” de infecções, onde foi de 1,027 para 1,023. Países como Espanha, Itália, França, Alemanha e Irã, com R0 inferior a 1,010, podem ser considerados com epidemia já praticamente estabilizada. Turquia com 1,013; EUA com 1,023 e Reino Unido com 1,023 parecem também evoluindo de forma consistente para a estabilização. As principais discrepâncias de R0 na tabela continuam sendo Rússia com 1,079 e Brasil com 1,045, com a diferença que o coeficiente russo permaneceu estável desde a semana passada, enquanto o brasileiro caiu de 1,058 para 1,045. Outra diferença importante entre as situações desses dois países está no coeficiente de letalidade, com o nosso subindo ligeiramente de 6,79 para 6,95. No caso da Rússia os coeficientes de letalidade abaixo de 1% colocam em duvida a confiabilidade da informação. De qualquer forma fica claro que o Brasil continua neste momento com uma das duas dinâmicas mais desfavoráveis entre os “dez mais infectados” do mundo.

A próxima tabela faz uma projeção “ceteris paribus”, isto é, mantendo constantes todos os parâmetros de propagação e as taxas de letalidade, para um horizonte de 30 dias (tabela 3).

Podemos ver que o número total de infectados no mundo supera os 7 milhões, com quase 500 mil óbitos. Vemos também que o Brasil vai para a quarta colocação entre esses dez países mais infectados, com cerca de 380 mil casos confirmados e 26 mil óbitos, quase quatro vezes mais que os cerca de 7 mil atuais.

O que podemos concluir? O Brasil está caminhando na direção de se tornar um dos países mais infectados em um mundo que está convergindo para a estabilidade. Para que isso não ocorra precisaríamos de uma melhora significativa no nosso parâmetro de propagação R0, mas é difícil imaginar que vamos conseguir reduzir rapidamente dos atuais 1,045 para a média mundial de 1,023. A Rússia parece ter uma propagação mais explosiva que a nossa, mas os números desse país não parecem ter muita credibilidade.

Ao contrário da tese do presidente de que não há como evitar um grande número de infecções, o isolamento salva vidas

Por outro lado nossa taxa de letalidade está igual à media mundial, mas poderá piorar se a ampliação do numero de infectados produzir um colapso no nosso sistema hospitalar. É interessante observar que na projeção “ceteris paribus” de 30 dias estamos com menos óbitos que Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Itália e praticamente empatados com a França. Se pudermos manter ou reduzir a taxa de letalidade atual, nossa posição será bem melhor do que Reino Unido, Itália e Espanha, sendo interessante notar que o primeiro, apesar de “latecomer”, resistiu por muito tempo a adotar estratégias de “lockdown”. Não há dúvida que no Brasil os maiores riscos em relação à letalidade são a entrada do clima mais frio do inverno e a pressão do governo federal por um relaxamento mais rápido do distanciamento social.

Uma vantagem da planilha de projeção “ceteris paribus” é que podemos facilmente alongar o horizonte de análise. Por exemplo, a próxima tabela projeta os mesmos parâmetros atuais num horizonte de 60 dias (tabela 4).

Nessa projeção o Brasil chega ao terceiro lugar, com quase 1,5 milhão de casos e 100 mil óbitos. Entretanto, tendo em vista a experiência de outros países, não parece razoável supor que o nosso fator de propagação R0 vai permanecer em 1,045 por 60 dias, particularmente se não houver um rompimento drástico da politica de distanciamento social. A evolução projetada da Rússia mostra o efeito devastador de um coeficiente R0 mais elevado em um horizonte mais longo.

Se o R0 brasileiro cair para 1,02 ao longo do mês de maio e para 1,01 ao longo do mês de junho, o total de casos no inicio de julho vai ficar em algo como 247 mil com 17 mil óbitos, cerca de 2,5 vezes maior que o nível atual. Este pode ser considerado nosso cenário mais otimista, que infelizmente parece bastante pouco provável.

Um caso que merece um acompanhamento cuidadoso é o dos Estados Unidos, cuja posição atual está na próxima tabela (tabela 5).

Pode-se notar que o principal foco de infecção ocorreu em Estados da Nova Inglaterra. De fato Nova York, Nova Jersey e Massachusetts apresentam 519 mil casos, o que corresponde a 44% do total nacional de 1,19 milhão. Em termos do coeficiente de incidência de casos sobre população, Nova York, com 1,67%, apresenta o maior número entre todos os casos que já vimos aqui.

Também interessante observar que em todos esses dez Estados mais infectados o coeficiente de propagação já se encontra abaixo de 1,02 com uma clara sinalização de que parecem estar se aproximando da estabilização. Mas aqui parece surgir o seguinte paradoxo: como é possível que o R0 para o país como um todo seja de 1,023 enquanto esses dez Estados, que representam 72% do total, apresentam coeficientes inferiores a 1,02. A resposta é que, nesses dez estados mais infectados, a epidemia está claramente perdendo velocidade, mas nos outros 40 Estados o processo de propagação encontra-se mais atrasado e, por isso, com R0 mais elevado.